quarta-feira, 16 de novembro de 2011

3 - PASTAGENS E PASTOREIOS SAZONAIS




Entre as muitas expressões da gíria agrícola alentejana, é comum ouvir o agricultor, e mesmo o técnico, referir-se às suas pastagens da seguinte maneira:

- No Outono: “há pouca erva e muito aguada”.
- No Inverno: “há erva mas muito agarrada ao chão”.
- Na Primavera: “há tanta erva que os animais não dão conta”.
- No Verão: “há algum pasto mas os animais já não lhe pegam”.


São frases feitas que definem bem o que ele, ciclicamente, se habituou a ver nas pastagens e nos animais, ao longo de cada estação.

Também sobre a dupla quantidade-qualidade destas pastagens ouvem-se frequentemente frases do tipo: no outono “há qualidade mas não há quantidade”; no inverno “há ainda qualidade mas pouca quantidade”; na primavera “há já mais quantidade que qualidade” e no verão “não há qualidade nem quantidade”.

Revendo as curvas das Fig. 2.7 e 2.9 encontramos as razões para estes ditos, tão bem percebidos por todos. Realmente, só na primavera ele vê que a erva é mais do que suficiente, com o outono, inverno e verão a mostrarem carências crónicas de qualquer tipo, maiores ou menores consoante o ano.

Vejamos então, um pouco mais em pormenor, o que são, o que valem, que complementos e como se aproveitam (ou devem aproveitar!) os pastos do Alentejo, em cada estação do ano. É uma descrição baseada nas pastagens naturais, que ainda dominam, a qual pode e deve ser revista em muitas práticas tradicionais, logo que se esteja perante pastagens efectivamente melhoradas.


3.1. Pastos e pastoreios de Outono

Em termos de composição florística e de quantidade, esta jovem erva vai aparecendo e evoluindo após as primeiras chuvas efectivas, com predomínio das já referidas espécies nativas de rápido domínio espacial, como mostardas, margaças, cardos, soagens, saramagos e das gramíneas em geral.

As espécies vivazes já implantadas (se as houver!) iniciam também as suas tenras rebentações, com melhor domínio dos espaços e mais rápida disponibilidade para pastoreio.

As leguminosas (se as houver!) iniciam igualmente o seu desenvolvimento mas em crescentes dificuldades competitivas face àquelas, de mais rápida e elevada implantação (maior porte). Ainda assim, é um período favorável a algum crescimento destas, já que os valores térmicos do solo e do ar, e o ainda pequeno ensombramento lhes possibilitam isso. A humidade do solo é decisiva ao normal crescimento de todas as espécies.

É uma pastagem constituída por plantas de diferentes crescimentos, muito jovens e, por isso, com elevados teores de água de constituição. O seu valor nutritivo sendo elevado está, contudo, muito “diluído" nesta água, o que pode originar, perturbações e acelerações no trânsito digestivo dos animais, traduzidas por fezes demasiado liquefeitas.

Em termos de nutrição animal, refere-se esta pastagem como tendo uma MS de elevada qualidade, embora “desequilibrada” entre os muito baixos teores de glúcidos (solúveis e estruturais) e os elevados níveis proteicos e minerais. Proteína que, sendo altamente solúvel no líquido ruminal, pode originar teores elevados de azoto não proteico, com destaque para o N-NH3, composto que, dada a carência de bases glucídicas na dieta é utilizado muito ineficientemente na síntese proteica microbiana. Ineficiência que pode repercutir-se em mais elevados níveis de ureia na circulação sanguínea.

Também o muito baixo teor de fibra desta erva, para além de acelerar os trânsitos nos diferentes compartimentos gástricos, limita ainda a formação de ácidos gordos voláteis (AGV) no rúmen, nomeadamente do acetato, uma das principais fontes energéticas do ruminante.

Na prática, os sintomas animais mais comuns são, para além das fezes muito líquidas, alguns distúrbios gasosos ruminais, como o timpanismo (bloat disease), embora este seja mais típico das pastagens com abundantes leguminosas jovens, o que não é comum nesta época.

Estes desequilíbrios nutritivos são tanto mais evidentes nos animais, quanto mais cedo e mais repentina for a passagem do rebanho para uma dieta só desta erva. É, contudo, um alimento fresco e apetecível, que os animais como que há meses esperavam, o que os leva a rejeitar, mais ou menos rapidamente, pastos, palhas ou outras forragens secas.

Para além da baixa eficácia nutritiva desta erva nova há ainda que juntar a elevada energia de pastoreio, para a ingerir. É que os seus nutrientes, para além de muito “diluídos” estão também muito “espalhados” pelo solo. A erva é de muito pequena altura, exigindo elevado esforço para ser ingerida.  

Na prática, e em condições de livre escolha do animal, verifica-se maior ou menor ingestão desta erva, consoante ela esteja mais ou menos limpa de restos de pasto velho do ano anterior, já que isso a torna mais ou menos visível e fácil de ingerir em exclusivo. São dois alimentos nutritivamente bem desiguais (Quadro 3.1.) que o gado não aprecia muito comer em mistura.

É conhecida a tendência de o animal comer primeiro toda a erva jovem possível e depois, sentindo ainda necessidade, continuar a comer no pasto seco que ainda reste na pastagem, ou em forragens distribuídas. Tendência muito mais marcante nos ovinos que nos bovinos, como se compreende.

Quadro 3.1. Intervalos de valores esperados para a qualidade nutritiva do Pasto seco residual e da Pastagem jovem, no Outono.

Parâmetros
PASTO SECO
PASTAGEM JOVEM
MS     (% MO)
PB      (% MS)
MSD    (  »  )
80-85
2-5
40-45
8-12
25-30
75-80
   MS: Matéria Seca; MO: Matéria Original; PB: Proteína Bruta; MSD: Matéria Seca Digestível

Mas em termos de reduzir os desequilíbrios metabólicos referidos, eles não têm que ser ingeridos simultaneamente. O animal tem é de comer erva nova + pasto seco (se ainda houver!), embora isso não seja fácil de cumprir, dada a liberdade de escolha do animal.

O que acontece é que o grau de degradação do pasto seco outonal, sendo proporcional ás chuvas, determina também a maior ou menor rapidez com que os animais “transitam” para a erva nova, abandonando-o. Assim esta vá tendo taxas de crescimento sustentáveis para que não necessitem daquele e para que mais depressa se vão atenuando os referidos desequilíbrios químico-nutritivos.

Uma consequência visível do uso e abuso desta erva, em anos de fraco crescimento outonal, é não se verificarem melhorias na condição corporal do rebanho. As razões advêm, como se disse, da qualidade, da quantidade e do esforço de pastoreio. Daí a importância em não se deixar precocemente o gado só nesta pastagem, poupando nas forragens. No Alentejo, isto corresponde sensivelmente à erva de Outubro-Novembro, mas que pode entrar pelo Inverno.

Para atenuar estes desequilíbrios dietéticos e reduzir os esforços de pastoreio, a melhor prática é, sempre que possível, continuar com as forragens de complemento mesmo após aparecimento da erva (4-6 semanas) restringindo bastante a área de pastoreio do rebanho, como que para “esconder” a erva nova. Em ano normal, só no último mês deste período (meados de Novembro-meados de Dezembro) se deveria “abrir” completamente a erva ao pastoreio. Já é mais abundante, mais equilibrada e suporta melhor o pisoteio, no caso dos bovinos.

Como senão para a pastagem, é este atraso no início do pastoreio poder favorecer a implantação das “más erva” atrás referidas. Mas como este período corresponde às suas fases de menos má qualidade, elas poderão ainda ser muito controladas a dente, no primeiro pastoreio retardado. Assim as consigamos pastorear com a intensidade devida, e se possível por bovinos.

Mas esta jovem erva outonal, mesmo “desequilibrada”, tem ainda uma importante função, com prolongamento pelo inverno. É contribuir para o equilíbrio nutritivo das dietas dos montados, no período de queda das landes e bolotas de sobreiros e azinheiras. Estes frutos começam a cair desde o começo de outono, mais ou menos maduros e em maior ou menor quantidade, consoante influências do clima nas árvores.

Estes frutos representam sempre um complemento energético importante, nesta estação de grande carência alimentar, embora nutritivamente desequilibrados pelo seu baixo teor proteico e algo perigosos pelos teores em polifenóis (taninos), conforme se mostra nos Quadros 3.2 e 3.3.

Os taninos são moléculas que acima de certos níveis, podem tornar-se tóxicas para ruminantes e monogástricos. Seja na forma hidrolisável ou condensada, eles provocam decréscimos de ingestão e perturbações na digestibilidade em geral, afectando a síntese proteica microbiana. Mas uma característica destas moléculas é a faculdade de se complexarem com cadeias peptídicas, precipitando estas e resultando num efeito de destanização da dieta. (2).

Quadro 3. 2. Composição química média da landes e bolotas (% da MS)

Fracções
Proteína bruta
Gordura  bruta
Fibra bruta
Extract. n/ Azotados
Cinzas
Miolo/Casca: 70/30, em p.s.
Miolo + casca
Miolo de lande
Miolo de bolota

5,5
8,5
6,5

8,9
8,0
8,0

12,0
3,5
5,0

71,6
77,5
78,5

2,0
2,5
2,0
                                                                                              Adaptado de (26)

Quadro 3.3. Composição química de bolotas x landes, da herdade da Mitra.

Fracções
MS
Cinzas
PB
NDF
ADF
Amido
Taninos
Miolo+casca (%MS)
64,8
1,7
4,6
34,0
22,2
44,5
4,48
                                                                                               Adaptado de (2)

Como se disse, o período de deiscências natural destes frutos pode começar logo em Setembro, originando situações algo perigosas se houver ingestões elevadas destes frutos ainda imaturos, com altos teores de taninos e baixos de proteína. Na ausência de outros alimentos (nomeadamente proteicos) eles podem originar, portanto, uma dieta de risco e em especial para os animais mais jovens.

É por esta razão que a erva outonal, de elevado teor proteico (Quadro 3.1), representa o melhor complemento da bolota do montado. Assim ela coexista com o tempo de queda destes frutos, o que nem sempre acontece nas quedas precoces. Mesmo que ingerida em pequena quantidade, a erva representa o melhor e mais económico complemento complexante dos taninos da bolota, permitindo níveis de ingestão desta, mais elevados e seguros.

E os animais bem se apercebem disso, pois é nos outonos de mais erva que eles melhor e mais avidamente consomem as bolotas. Nos outonos sem erva a bolota é ingerida por necessidade, mas mais pausada e selectivamente. Diz o agricultor que a bolota, nos outonos secos, "escalda a boca dos animais", frase sintomática das menores e mais selectivas ingestões destes frutos.

Por outro lado, também é nos outonos mais húmidos, com suficiente erva mais cedo, que os ruminantes menos aproveitam estes frutos, a que se junta o facto de, nestes anos, as bolotas começarem mais rapidamente a degradar-se (a bichar), acelerando a sua rejeição pelo gado.

As bolotas dos montados são, assim, um complemento de relativa importância para os ruminantes, não tanto pelo valor energético em si, que é elevado, mas pelas condicionantes que tem o seu aproveitamento, neste período do ano. A sua eficácia em dietas de monogástricos é incomparavelmente maior.

Mas mesmo para os suínos de montanheira, a dieta de bolota extreme, sem esta erva jovem ou outro suplemento proteico, tem efeitos nas performances dos animais. Senão vejam-se (Quadro 3.4) resultados de um trabalho sobre o efeito da complementação da bolota com bagaço de soja, no ganho de peso vivo (26).

Quadro 3.4. Influência de um complemento proteico na dieta de porcos em
montanheira, sobre os acréscimos de peso vivo.

Lotes
Período de montanheira
(dias)
Complem. proteico
(g/dia)
Acréscimo de proteína na dieta
PV  inicial
kg
PV  
 final
kg
Acréscimo de ganho de peso (kg)

Bolota

Bolota + proteína

56

56


-

219

-

3,71%

90,60

91,67

137,83

142,72

47,23

51,05
                                                                                                          Adaptado de (26)

Para este autor, uma dieta diária, nutritivamente equilibrada, para porcos de montanheira atingir-se-ia, caso fosse possível por os animais a comer, voluntariamente, 3 kg de bolota + 7 kg de erva fresca, penalizando-se um pouco a dieta em termos de fibra e de concentração energética. Mas seria com dietas deste tipo que se obteriam carcaças com maior desenvolvimento muscular e um pouco menos de gordura. Contudo, o autor reconhece que na prática, com bolota e erva em ad libitum, é muito difícil conseguir-se esta proporção.

Em síntese, a bolota, complementada ou não com erva, é sempre uma valia importante nas dietas do montado. Para os suínos ela é mesmo o suporte dietético originador de toda uma gama de produtos cárneos de alta qualidade, de crescente importância económica.

Pena é que a sua produção seja tão irregular entre anos e entre regiões do montado, a que o tradicional sistema de podas (muito drásticas e espaçadas nos anos) mais acentua. Segundo registos para as mesmas azinheiras adultas, de vários anos na herdade da Abóbada, obtiveram-se produções variáveis entre 10 kg e 40 kg de bolota por árvore (Bettencourt, 1990; informação pessoal).

Sobre a influência desta pastagem outonal na pastagem invernal que se segue, diz-se na prática, e com alguma lógica, que uma boa outonada é sempre condição para um bom invernadouro. As plantas crescendo mais no outono chegam ao frio do inverno melhor enraizadas e já com mais reservas glucídicas do que as muito jovens, provenientes de rebentações tardias (outonos secos).

É esta interligação das pastagens de outono com as de inverno que leva, muitas vezes, à sua avaliação num só período comum, de cerca de 5 meses.


3.2. Pastos e pastoreios de Inverno

Se as pastagens da época anterior são totalmente determinadas pelo regime e quantidade de chuvas, as pastagens deste período são principalmente influenciadas pelas temperaturas e em especial pelas mínimas. As chuvas, continuando a serem importantes, não são tão preocupantes, já que estamos na estação mais pluviosa do ano. Assim, é nos invernos húmidos e amenos (pouco frios) que as espécies herbáceas têm uma continuidade de crescimento cuja produção supera muito a outonal. Nomeadamente nas gramíneas.

Ao contrário, com temperaturas baixas ou negativas (geadas) por vários dias, e se conjugadas com pouca ou nenhuma chuva, verifica-se a pior situação para as pastagens. Há como que uma involução do tapete pratense derivado da paragem de crescimento e de uma maior prostração das espécies.

Diz-se, na prática, que a erva está a “desaparecer" com o frio. E poderão desaparecer mesmo muitas espécies anuais, mais jovens e mais mal enraizadas. As leguminosas aguardam, ao nível mais baixo de todas as espécies, com limbos diminutos, por melhor tempo. É nesta situação que as forragens conservadas (incluindo palhas!) podem voltar a constituir, quase a 100%, as dietas dos efectivos.

Fora destes extremos, os nossos invernos permitem sempre algum crescimento das gramíneas e de outras autóctones, embora a uma taxa mais lenta. É o período de afilhamento dos pés, condição fundamental para mais elevadas produções primaveris. Algumas leguminosas não dormentes poderão apresentar actividade vegetativa se estiverem protegidas (climaticamente) por espécies mais altas, caso contrário permanecerão prostradas e sem novas formações foliares, não contando para a biomassa utilizável desta época.

Uma vez mais, é nas áreas sob montado que se verificam os maiores crescimentos invernais das pastagens do Alentejo, devido não só à melhoria da fertilidade dos solos sob as copas, mas também às temperaturas mais amenas nessas zonas. É, aliás, em pastagens (naturais ou melhoradas) sob densos montados, que alguns agricultores mantêm os rebanhos já em razoável condição corporal e a que chamam locais de "bons invernadoiros".

Mas o mais comum neste período é a pastagem insuficiente para os encabeçamentos, nomeadamente em Janeiro. Os crescimentos da erva não chegam para a manutenção dos rebanhos, pelo que cada agricultor opta basicamente entre duas decisões: ou deixa os animais entregues a essa escassa erva, facultando-lhes eventualmente (no caso do montado) alguns dias de rama de limpeza de árvores, ou suplementa a erva com forragens conservadas até esta voltar a crescer.

A opção mais económica pode conduzir já a perdas de peso vivo do rebanho. Os pastoreios são de grande liberdade animal, com o rebanho quantas vezes em folhas de portas abertas, na procura de alguma erva de arrifes, de algumas infestantes mais resistentes ao frio, de alguns arbustos ou de restos de bolota. O gasto energético pode não compensar os “passeios” do rebanho por estas pastagens “paradas”, à espera de melhor clima.

A opção de suplementar os animais é bem mais racional mas, obviamente, mais dispendiosa. Mas ela só não se imporá em circunstâncias de falta absoluta de forragens, falta de capacidade financeira para comprá-las ou, o que é mais grave, em atitude de “distanciamento” empresarial ou descrença na actividade. Fora disto, é preferível fechar os rebanhos em pequenas folhas ou parques, onde se proceda à distribuição de complementos e suplementos até ao recomeço do crescimento da pastagem,  

Apesar das desagradáveis marcas ambientais, fechar os animais em locais restritos é preferível, não só por facilidade logística mas também porque se termina com as dispersas e algo extensas áreas de pastagens “sujas” por restos de palhas e fenos, ainda tão comuns na paisagem invernal da região.  

Em qualquer situação, a diminuição dos enormes refugos de forragens, sejam os invernais sejam os outonais só se consegue pelo uso de forragens cortadas distribuídas em comedouros. Mesmo o crescente uso de forragens em fardos grandes, em self-service, no chão ou já em comedouros, continua a originar uma elevada taxa de refugos. A razão está ainda na dimensão dos troços das forragens nestes fardos.

Esta ineficiência só se irá resolvendo pela moenda das forragens e distribuição mecânica, para comedouros, por máquinas do tipo unifeed. Mas é um procedimento ainda caro para esta pecuária extensiva, de reprodutores.

Uma outra alternativa à complementação destas pastagens invernais pode surgir, paralelamente ou não com as palhas e forragens conservadas, por opção do agricultor e com a ajuda do clima. Trata-se das forragens anuais de gramíneas (azevém anual, aveia ou triticale), que, se semeadas cedo e com chuvas suficientes, dão pastoreio em Janeiro ou mesmo antes. São cultivadas para corte na primavera ou para agostadouro, mas que podem também ser pastoreadas antes, confiando na sua rebentação. Os riscos são todos climáticos, seja por outonos secos (atrasa a produção), seja por invernos muito chuvosos (impede o pastoreio), seja por primaveras secas (afecta a rebentação).

São forragens verdes que, em ano normal, podem disponibilizar de 1 a 2 Ton. MS/ha em pleno inverno, quando as pastagens escasseiam. O seu pastoreio deve ser oportuno e rápido, pelo que se recomenda colocar lá toda a carga animal da exploração. São forragens para serem comidas e não para irem sendo pastoreadas!

Por fim, recorde-se que os períodos outono + inverno correspondem a mais de 60% do tempo total de erva verde e com qualidade nutritiva ainda elevada (Fig. 2.9.). Só a quantidade é limitada (menos de 1/3 da produção total esperada) pelo que são estes dois períodos que mais determinam um ano pascícola como de "fome" ou de "fartura", dada a sua extensão.


3.3. Pastos e pastoreios de Primavera

Tal como na passagem do outono para o inverno, também a separação entre as pastagens de inverno e da primavera não obedece a qualquer data de calendário, já que é o clima que determina a continuação daquelas ou a antecipação destas. Normalmente, a data de equinócio (21-22 de Março) corresponde já a plena pastagem de primavera pelo que, em teoria, o início de Março costuma marcar o início destas pastagens, com todo o relativismo que isto encerra. Na prática, o que se espera é que a “primavera das pastagens” comece tão cedo quanto possível, algures entre Fevereiro e Março.

É a estação por excelência de indução às diferenciações florais, em datas mais ou menos precoces consoante as suas genéticas + o clima da época. Como já se referiu, as mais precoces asseguram mais cedo a formação de semente mas com a desvantagem de serem menos produtivas em biomassa e com mais rápido decréscimo de qualidade. Isso mesmo se observa na qualidade das espontâneas ultra-precoces, cujas florações começam ainda no outono (mostardas-de-flor-amarela e margaças).

As pastagens deste período ressaltam à vista, mesmo dos mais leigos, pelo cromatismo das espécies de inflorescências externas. Observa-se e fotografa-se a beleza e a riqueza botânica do estrato herbáceo, sem se suspeitar que ela encerra, em muitos casos, um mau alimento para o animal. É o período de mais fácil avaliação da composição florística, pelo que se recomenda nos diagnósticos para melhoramento.

É ainda nesta estação que as leguminosas conseguem, finalmente, dominar nas diferentes associações, podendo mesmo "abafar" outras espécies de médio porte. A temperatura e as horas de luz vão-lhes sendo crescentemente favoráveis. E a maior capacidade para resistirem às primeiras carência de água (sistema radicular mais profundo) permite-lhes alongar mais o período verde primaveril, tornando-as decisivas no fim do ciclo da pastagem, e decisivas na qualidade dos pastos secos que se seguem.

Só nesta estação as leguminosas têm expressão significativa na curva de produção da erva, daí se apelidar esta época como a “época dos trevos”, tout court. Em todo o outono-inverno elas estão lá mas a sua quantidade e palatabilidade não as torna importantes para o animal em pastoreio.

Contrariamente à grande maioria das outras espécies, a aceitação animal pelas leguminosas cresce desde a planta jovem até à planta seca, como resultado de decréscimos no nível de moléculas anti-nutritivas (nomeadamente fitoestrogéneos) ao longo do seu ciclo. Em seco, só alguns caules mais fibrosos serão sempre rejeitados.

Quer a baixa disponibilidade, quer este comportamento animal perante as jovens leguminosas, nos 5 longos meses de carência generalizada de erva, muito têm contribuído para que o agricultor menos esclarecido menospreze o papel e a importância das leguminosas nas pastagens. Para estes, “os trevos só vêm na primavera quando também já há muita outra erva e desaparecem rapidamente dos pastos secos logo no começo do verão”.

Olhando para o fenómeno à vista, estes comentários têm alguma verdade, já que o período de grande “visibilidade” das leguminosas é muito mais curto do que o das gramíneas quer em verde quer em seco. Mas isso não justifica de modo nenhum essa atitude. Para além da sua extraordinária importância no melhoramento das pastagens é preciso relembrar também a sua função enriquecedora dos níveis proteicos e minerais destas, e em especial na fase de pastos secos. Os melhores agostadouros são todos os que têm por base as leguminosas.

É ainda nesta época, e em especial nas pastagens não melhoradas, que as já referidas espontâneas de má qualidade tendem a exercer fortes dominâncias. São elas as grandes responsáveis pelas lindas manchas policromáticas de que atrás se falou. Mas como também já se disse, estas têm de se ir combatendo a dente logo desde o outono-inverno. Na primavera poderão e deverão continuar a ser combatidas, mas com muito menor eficácia. A selectividade animal é muito maior, dada a abundância de alimento.

Aliás, este combate a dente das piores espécies, sendo absolutamente necessário nunca é suficiente para eliminá-las das pastagens. A sua eliminação vai-se dando, mas em conjunto com a implantação de mais (e melhores!) leguminosas que vão fazendo aumentar a fertilidade dos solos, favorecendo as gramíneas e desfavorecendo aquelas.

Sobre a qualidade da erva primaveril, ela já foi mostrada no Quadro 2.9. Sendo a época de maior actividade vegetativa resulta, também, na época de mais rápida degradação qualitativa. Para o nutricionista mediterrâneo, esta é a época de maior dificuldade de gestão da qualidade da erva. Em clima atlântico, as alterações químicas derivadas da evolução das espécies são mais lentas e previsíveis (são espécies vivazes!), pelo que o decréscimo de valor nutritivo se estende por um período mais longo.

Recorde-se, no Quadro 3.5, a evolução nutritiva média, provável em ano normal, de uma pastagem mista com 1/3 de gramíneas, 1/3 leguminosas e 1/3 de outras, neste período. Nele se mostra também a razão MSD/PB, que em termos práticos traduz o primeiro equilíbrio nutritivo, de qualquer alimento fibroso para ruminantes.

De tabelas de valores bromatológicos de alimentos se infere que, quando esta razão tem valores entre 4 e 5 é quando proporciona o melhor equilíbrio entre a fracção energética e a fracção proteica, ou seja, quando permite uma dieta de manutenção mais equilibrada. Valores acima representam alimentos de teor mais energético e valores abaixo alimentos de teor mais proteico, estes com funções específicas mais de suplemento das dietas. 




Quadro 3.5. Valores médios esperados de matéria seca digestível (MSD), de proteína bruta (PB) e da razão MSD/PB, em pastagens do Alentejo, no período primaveril.

Parâmetros
Março
Abril
Maio
Junho
MSD (g/kg)
PB (g/kg)
MSD/PB
700
160
4,38
650
140
4,64
580
110
5,27
480
80
6,00


Desta simples razão se tira que haverá só 2 meses (Março-Abril) com os melhores equilíbrios nutritivos. Mas que o valor de Maio, ainda não será de molde a afectar os acréscimos de condição corporal dos efectivos. Já o de Junho pode afectar as performances dos animais; situando-se, aparentemente, na gama dos alimentos energéticos ele assenta numa digestibilidade muito baixa, de que resultam baixos níveis de ingestão.

Mas globalmente, é neste período que se atingem as maiores taxas de ingestão, dada a elevada quantidade permitir elevada selectividade, resultando em dietas reais de mais elevado valor nutritivo do que o analisado em amostras colhidas mecanicamente. Daqui resultam os maiores ganhos de peso vivo de todo o ciclo das pastagens. A sua condição corporal cresce até à secagem da erva, podendo-se atingir, nalgumas raças de reprodutores, valores corporais de 3,5 – 4,0 (Figura 2.10).

É ainda nesta estação que, não havendo carga animal suficiente para ingerir toda a erva, se começa a diferenciar um estrato de fitomassa rejeitado pelos animais, correspondente às fracções mais fibrosas de cada espécie, bem como a muitos órgãos florais desagradáveis ao paladar animal (ver Fig. 2.6). Estrato tanto maior e mais heterogéneo quanto mais livre e menos intenso for o sistema de pastoreio.

Como se referirá nos modos de pastoreio (Capítulo 4), é só neste período que, nas pastagens de sequeiro do Alentejo, valerá a pena por os animais em sistema rotacional (ponto 4.2.3). Nele se permite pastoreios mais regulares, com menos efeitos de escolha e incrementos de combate às infestantes.


3.4. Pastos e pastoreios de Verão

As pastagens alentejanas no período estival são quase totalmente constituídas pela biomassa sobejante da primavera incluindo as espécies rejeitadas nesse período. Por estarem secas se lhe atribui o vulgar nome de pasto seco.

Por isso, a quantidade destes pastos será sempre o resultado da produção primaveril desse ano e da carga animal nesse período. Quanto menor tiver sido o pico da erva, ou maior a carga de pastoreio, menos pasto sobejará para o verão, a menos que tenha sido guardado.

A prática de guardar folhas de pastagem na primavera é comum na região, abrindo-as ao pastoreio, no fim do verão ou já no início do outono, quando a escassez de pastos é maior e as perdas físicas pelo pisoteio são já menores. São ainda bem conhecidos, nalgumas regiões do Alentejo, os chamados "pastos de S. Mateus” ou “pastos de S. Miguel" pois trata-se de pastagens guardadas na primavera para serem consumidas por altura destes santos, tradicionalmente bem lembrados pelas feiras e festas que lhes estão associadas e que se situam na segunda quinzena de Setembro.

O maior cuidado a ter com estas reservas alimentares – para além da prevenção dos incêndios, através de largos aceiros a abrir na primavera – é tentar não meter gado a pastoreá-los, e em especial bovinos, com o tempo ainda muito quente e seco. A eficácia de utilização é bem maior caso se possa adiar o pastoreio até temperaturas mais suaves e noites mais húmidas, que tornem estes pastos menos quebradiços.

Caso contrário acontecerão altíssimas perdas físicas pelo pisoteio, com as melhores partículas a caírem e a serem rapidamente envoltas em pó, inviabilizando quase totalmente o seu aproveitamento. Perdas que serão tanto mais rápidas e elevadas quanto mais leguminosas houver nestes pastos de reservas. Elas constituem um festim mas para colónias de formigas e de outras faunas do solo. Só os ovinos conseguem ainda aproveitá-las significativamente.

Um último risco para estas reservas de pasto seco é virem demasiadas chuvas muito no cedo que poderão apressar a sua decomposição, nomeadamente depois de terem já começado a ser pastoreados. Mas só se caírem com persistência, já que as chuvas pontuais de trovoada, frequentes em Setembro, não provocam grandes perdas.


Voltando ao pasto normal, recorde-se que apontámos na Figura 2.7, como valor bruto acumulado para este período em anos normais, cerca de 350 kg MS/ha. Caso fossem totalmente ingeridos, eles chegariam, num encabeçamento médio de 0,3 CN/ha, para cerca de 90 dias de pastoreio, teoricamente suficientes para toda a estação estival. Mas a prática é bem diferente!

Para se optimizarem as taxas de ingestão deste alimento só com uma adequada gestão para cada caso. Seja diferindo reservas e utlizando-as com os cuidados atrás referidos, seja promovendo pastoreios sempre restringidos nas restantes áreas. Em pastoreios livres, ou mesmo rodando em grandes folhas, raros serão os anos em que estes pastos cheguem até fim de Agosto, apesar de lá poder existir quase metade de biomassa refugada.

As espontâneas de baixa qualidade, já muito rejeitadas na época primaveril, constituem, nas piores pastagens, a maioria desta biomassa bruta, época em que são ainda mais rejeitadas. Algumas espécies, constituírem mesmo verdadeiros "esqueletos” impeditivos do aproveitamento de outras melhores, já que estão sob ou com eles intimamente imbricadas. As espécies púncicas (como cardos) são das mais restritivas e impeditivas de melhores pastoreios no verão e com efeitos que perduram pelo Outono, com a erva nova.

Nestes pastos naturais a qualidade nutritiva é, obviamente, tanto mais baixa quanto mais “más espécies” tiver em relação a leguminosas e gramíneas. Em qualquer caso, a qualidade química e digestiva está sempre ao nível mais baixo de qualquer herbácea anual, já que corresponde ao fim do seu ciclo de vida.

No Quadro 3.6., apresenta-se uma evolução nutritiva provável, de pastos naturais com algumas leguminosas, em pastoreio ao longo do verão. São valores prováveis, já que a heterogeneidade deste alimento é tão grande quanto o é a heterogeneidade das pastagens que os originaram. Isso é manifesto quando se recolhem amostras pontuais de pastos secos para análise.

Como características mais constantes só os baixos valores digestivos responsáveis pelas baixas ingestões e os baixos valores proteicos responsáveis pelos desequilíbrios nutritivos, que por sua vez acentuam as baixas ingestões.  


Quadro 3. 6. Valores médios esperados de matéria seca digestível (MSD) e de proteína bruta (PB), de pastos naturais pastoreados, ao longo do verão.

Parâmetros
Julho
Agosto
Setembro
MSD (g/kg)
PB (g/kg)
500
60
480
50
420
30

Já no Quadro 3.7 apresentam-se resultados concretos, mas pontuais no tempo (17 de Agosto), de 4 pastos secos resultantes de quatro situações pratenses distintas. Ressalta destes valores alguma constância qualitativa dos pastos sem leguminosas apesar dos diferentes pastoreios.

A proteína do pasto com trevo subterrâneo é, obviamente, bastante mais elevada, mas também muito pelo facto de não ter sido pastoreado. Em caso de pastoreio até Agosto resultaria, certamente, em níveis proteicos bem mais baixos no pasto sobejante. As produções brutas dos pastos, pouco ou nada pastoreados, reflectem o que foi a produção de erva nesse ano, com destaque para a alta produção da pastagem à base de trevo subterrâneo.


Quadro 3. 7. Quantidade e qualidade de 4 diferentes pastos secos, recolhidos em Agosto,
com diferente composição florística e nível de pastoreio.


Fracções analisadas
Pasto
A
Pasto
B
Pasto
C
Pasto
D
Produção bruta (kg MS/ha)
Proteína bruta (% MS)
MSdigestível, in vitro (%MS)
2.140
3,20
55,9
3.573
3,60
52,1
618
3,22
53,1
4.145
9,48
50,8

Pasto A: Pasto dominado por margaças, pouco pastoreado por ovinos.
Pasto B: Pasto à base de gramíneas naturais, não pastoreado.
Pasto C: Pasto de composição indefinida, muito pastoreado por bovinos e ovinos.
Pasto D: Pasto à base de trevo subterrâneo, não pastoreado.
                                                                   (Serrano, 1990, resultados não publicados)

O baixo teor proteico acaba por ser o nutriente mais influente no baixo valor nutritivo de qualquer pasto estival e em especial nos não melhorados com leguminosas. Ele é insuficiente a nível da ecologia ruminal, afectando negativamente a digestibilidade em geral, a síntese de proteína microbiana e, no fundo, o nível de ingestão voluntária de MS. Uma complementação proteica, ou pelo menos azotada, torna-se, assim, imprescindível nos pastos sem ou com poucas leguminosas, para melhorar as taxas de ingestão, capazes de atenuarem os decréscimos de condição corporal.

Como via mais económica da complementação proteica destes pastos tem-se seguido a via da complementação com azoto não proteico. É uma via destinada a incrementar a síntese proteica microbiana no rumen. Mas para isso algumas bases glucídicas solúveis, de rápida degradação (nomeadamente glucose e frutose), terão de se juntar, já que elas são residuais nestes pastos e algumas resultantes da baixa digestão são insuficientes. E sem elas não só não se melhora a síntese proteica como se corre o risco dos níveis de amónia circulante subirem perigosamente, para a saúde dos animais.

A ureia, como composto aminado, e o melaço, como fonte de glúcidos solúveis, têm sido e, julgamos que continuarão a ser, os mais usados. Os produtos comerciais disponíveis, contendo melaço + ureia, são vários no mercado. São os genericamente designados por “ureméis” ou “uraméis” destinados a “suplementar” palhas e pastos secos estivais. Na verdade, são complementos importantes mas não suplementos.

Para estes pastos a importância destes produtos só vai diminuindo na medida em que se forem melhorando as pastagens com mais espécies leguminosas. Para as tradicionais palhas de cereais, e na impossibilidade de usar suplementos proteicos, eles continuarão a ser importantes na melhoria das dietas.

Na prática, a qualidade deste alimento revela-se, como já se referiu, pela quebra continuada da condição corporal dos rebanhos ao longo do verão, mesmo em anos em que eles são mais abundantes. Isso demonstra, estar-se mais perante um problema de qualidade do que de quantidade, embora na maioria dos anos seja um problema de ambos.

A complementação e/ou suplementação das pastagens desta época deveria ser, assim, solução obrigatória em qualquer exploração. Mas nem sempre é, já que isso tem custos que, para reprodutores, nem sempre são julgados compensatórios. A via mais económica é ir assistindo às perdas de peso vivo dos animais (certamente, com preocupação!), mas esperando sempre que eles “resistam”, senão até à erva nova, pelo menos até onde for possível poupar nas forragens. Mesmo que, nesse período, a maioria passe por fases de gestação-parição-aleitamento.   

A maior e mais tradicional complementação destes pastos na região, continua a ser os, também desequilibrados, restolhos de cereais, hoje mais pobres do que no tempo das ceifas manuais. A sua área tem vindo a decrescer na exacta medida das áreas de cereais, por razões económicas e de implementação das novas regras da PAC.

Segundo o INE (2004), o Alentejo cultivou em 2003, entre trigo + aveia + cevada, 199.342 ha, correspondendo a 83% do total nacional. Assim, mesmo em decréscimo de áreas, continua a ser uma superfície alimentar importante, para muitas explorações. Que não é propriamente a de um complemento dos pastos mas sim a de um sucedâneo, semelhante ao dos pastos de reserva.

Quando entram nestas áreas (fim de Julho - Agosto), os rebanhos começam por revelar pequenas melhorias de condição corporal, por efeito de uma esforçada escolha qualitativa no ainda abundante material disponível. Melhoria que é significativamente maior nos ovinos, dada a sua maior capacidade de selecção e de ingestão das melhores partículas, aéreas ou já caídas no solo.

Tradicionalmente, quando as explorações agrícolas eram mais do tipo “multi-espécie”, estes agostadouros eram pastoreados pela seguinte ordem: suínos bovinos ovinos demonstrando, não só as diferentes aptidões ao pastoreio, mas também a importância económica dada pelo agricultor a cada uma destas espécies.

As maiores limitações alimentares dos restolhos advém não só do seu igualmente baixo valor nutritivo como das excessivas intensidades de pastoreio que neles se praticam. Ou seja, perante áreas limitadas de restolhos, perante a fácil oportunidade do seu pastoreio e perante a ausência de pastos no exterior, a tendência é para colocar cargas animais exageradas e durante tempo demais.

A tendência é para ir deixando aí os rebanhos, tal como nos pastos, tentando que "eles se governem" até ao outono. Só que, no caso de bovinos em pastoreio full time, em poucas semanas estarão ingovernáveis. Grande parte do restolho está acamado e conspurcado por pó e excrementos, sendo maioritariamente refugado pelos animais. Só com pastoreios restringidos a algumas horas por dia (só nocturnos, p.ex.) se conseguem maiores taxas de aproveitamento deste subproduto. Com ovinos, as situações são diferentes e mais eficazes.

Tal como se referirá nos modos de pastoreio transumantes (ponto 4.1.2), o aproveitamento excessivo dos restolhos é muitas vezes devido a ter sido um alimento comprado e que se quer aproveitar (rentabilizar) o mais possível, dentro de um período de tempo limitado (pré acordado). 

O caso dos restolhos + palhas (totais ou parciais) para aproveitamento em agostadouro, sendo ainda uma prática pouco usual, poderá incrementar-se no curto-médio prazo. Isso acontecerá, certamente, quando o preço de mercado das palhas descer drasticamente, como de resto aconteceu por todo o norte e centro da Europa. E só já não passará pela fase seguinte, de queima desta no terreno, por impedimentos da nova PAC relacionados com a defesa de uma agricultura de conservação, nos futuros sistemas agrícolas.

Mas caso mais secas extremas, como a de 2004/2005, se comecem a verificar por toda a Península Ibérica, tudo muda de figura, já que se assistirá a uma revalorização anormal das palhas ou de quaisquer outros subprodutos de interesse forrageiro, independentemente da sua qualidade. Não há, neste caso, atitude lógica possível!

A prática do restolho+palha induzirá melhoria nos pastoreios desta época, não tanto pelo acréscimo na qualidade mas sim na quantidade, permitindo uma selectividade de ingestão por mais tempo (maior tempo escolha). Neste caso, a biomassa bruta disponível passará dos 1.000-1.500 kg para os 4.000-4.500 kg/ha (restolho + palha), dependendo do cereal.

Isto permitirá manter os animais até mais tarde (outono!) mas, ainda assim, não evitando a normal perda de condição corporal nem as elevadas taxas de refugo as quais dependem não só dos modos de pastoreio mas também do regime das primeiras chuvas. Mas a eliminação dos custos de enfardagem, recolha e distribuição das palhas, podem justificar estas maiores taxas de desperdício.

Aliás, o uso das palhas em Portugal deveria já merecer maior atenção por parte dos agricultores pecuários. O seu ainda elevado consumo no Alentejo explica-se mais pela longa tradição de complementaridade entre os sistemas cerealífero e pecuário, do que pela grande valia daquelas. Explica-se mais pela tradição do que pela razão.

As palhas, como alimento extreme, não resistem hoje a uma pequena análise nutritivo-económica, se comparada com outros alimentos disponíveis no mercado, nomeadamente com o feno de luzerna (Quadro 3.8). Apesar de a unidade de MOD da palha ser, para estes valores, mais barata que a da luzerna, a unidade de PB é 2,3 vezes mais cara, e bem mais limitante na dieta.

Se atendermos ao valor de ingestão de tabela, referido neste Quadro (33 g/PV0.75), uma vaca adulta com 600 kg não conseguirá ingerir mais de 4 kg diários de palha (0,67% do PV), a não ser que se trate de palha finamente cortada. Mas, mesmo assim, seria sempre alimento insuficiente para as suas necessidades. Se ao mesmo animal forem dados só 2 kg de feno de luzerna, mantendo o custo da dieta semelhante, ele ingerirá mais do dobro da PB, com reflexo positivo na digestibilidade e na taxa de ingestão de toda a dieta.

O seu preço só se compreende pelo consistente bom nível de procura externa no mercado da região. Procura que continua a vir maioritariamente das pequenas e médias explorações leiteiras, fora do Alentejo. Para estas, a palha é ainda um cómodo produto, de função alimento-cama. Mas não só. Também nas ditas “explorações sem terra” os longos períodos em dieta de concentrado+palha tornam esta forragem como a mais “adequada”, face a outras.

De tudo isto, os primeiros beneficiários continuam a ser as explorações cerealíferas do Alentejo e, ultimamente, de regiões espanholas que também já muito oportunamente disputam este mercado. Os anos de seca encarregam-se de manter a procura em alta!


Quadro 3.8. Valores de matéria orgânica digestiva (MOD) e de proteína bruta (PB)
de palha de trigo e de feno de luzerna de 2º. corte, seco ao sol.

Parâmetros
PALHA TRIGO
FENO LUZERNA
MOD (% MS)
PB (% MS)
Ingestão (g MS/PV0.75)
Preços/kg (em 2004)
41,9
3,7
33
0,07 – 0,09 €
55,0
16,2
60
0,14 – 0,16
                                                                                                   Adaptado de (16) e (21)

Em resumo, e para além do fenómeno das palhas, os pastos secos estivais nunca são suficientes para fazerem a ligação à nova erva outonal. Nem em quantidade nem, sobretudo, em qualidade. Com ou sem restolhos + palhas o seu valor nutritivo (energético e proteico) é sempre muito baixo e desequilibrado resultando em baixos níveis de ingestão, logo, em insuficiência dietética.

Esta é a situação ainda dominante por todo o Alentejo. Melhorar todo este quadro, de forma sustentável, só através de pastagens consistentemente melhoradas. Só elas podem ir permitindo reduções no uso destes subprodutos de baixa qualidade.


3.5. As forragens de agostadouro (ou agostadoiro).

Neste clima, mesmo com pastagens maciçamente melhoradas, os respectivos pastos secos vão sempre escasseando até à nova pastagem outonal. Entre o começo das chuvas (começo da degradação dos pastos) e o começo da erva verde, dificilmente se encontra alimento pastoreável, minimamente suficiente. É o período pascícola mais difícil do ano, e mais difícil para bovinos que para ovinos.

Cultivar forragens para pastoreio complementar do pasto seco é, por isso, uma opção há muito conhecida na região, embora não muito praticada, tal como sucede com a reserva de pastos, antes referida. A dominância dos agostadouros de restolhos não tem dado grande relevo a estas culturas dedicadas, a não ser como mal menor nos maus anos cerealíferos. Mas para as explorações sem cereais ela é uma decisão de grande importância para atenuar a falta de alimentos estivais.

São forragens anuais ou bianuais, dominantemente de sementeira outonal, destinadas essencialmente a pastoreios no cedo (Jan./Fev.), como atrás já se referiram, e no tarde (Jul./Ago.), com algumas a permitirem corte intermédio, dependendo das espécies e das chuvas primaveris.

Como gramíneas de sementeira outonal, as mais usadas na região são variedades tardias da clássica aveia forrageira (Avena sativa) e, mais recentemente, do azevém anual (Lolium multiflorum).

Como gramíneas de primavera, para corte/pastoreio até ao Outono, continuam as variedades de sorgo híbrido (Sorghum bicolor x S. sudanensis) nas zonas mais húmidas e de erva do sudão (Sorghum sudanensis) nas mais secas. Ambas em sequeiro.

Como leguminosas outonais, as mais utilizadas continuam a ser a tremocilha amarela ou amarga (Lupinus luteus), variedades de trevo-da-pérsia (Trifolium resupinatum) e de grão-da-gramicha (Lathyrus cicera) e, mais recentemente, de outros trevos de floração aérea (T. vesiculosum, T. squarrosum e T. michelianum), já aplicados em misturas de melhoramento das pastagens. Exceptuando a tremocilha, as restantes são quase sempre de sementeira mista com as gramíneas outonais referidas.

Sendo espécies anuais que completam o ciclo de maturação, uma parte importante das sementes cai para o solo a quando do pastoreio estival, nomeadamente as mais deiscentes. São estas sementes do solo que, apesar de disputadas por suínos, ovinos, aves, roedores e insectos, permitem ainda grandes germinações naturais no outono seguinte e, em especial, as de sementes mais miúdas. Elas originam novas forragens, que se podem conduzir como pastagens a liquidar ou novamente como forragens de segundo ano.

Deixar secar as forragens em pé para agostadoiro (internacionalmente referido como o standing hay) é uma prática de economia de custos na dieta animal, muito apropriada a explorações de pecuária extensiva. Pode aplicar-se em parte ou à totalidade das forragens cultivadas para conservar, como feno ou silagem. O procedimento justifica-se tanto mais quanto pior for o ano pascícola, nomeadamente a primavera, com reduzidos pastos secos para o verão e não havendo qualquer agostadouro de cereais.

A favor desta prática corre o facto de que fazer e guardar feno em Maio/Junho para começar a distribuí-lo logo em Julho é um procedimento demasiado caro, que o esperado maior valor nutritivo do feno não compensa. Tratando-se de agostadouros à base de forragens de grão grado, como aveia, tremocilha ou grão-da-gramicha, pode mesmo conseguir-se melhor performance do rebanho neste período, do que complementando-o com os habituais fenos tardios, de baixa ou heterogénea qualidade.

Em explorações de ovinos e com tremocilhas é fácil de se constatar esta melhoria, já que a capacidade de aproveitamento de folhas e sementes do solo, por estes animais é elevada. Isso mesmo se mostra na Figura 3.1 de trabalho de Augusto Lança (25) com 40 borregas/ha em agostadouro de tremocilha, comparativamente a animais só com feno de azevém x tremocilha, ao longo de 63 dias.

Refira-se que o pastoreio deste agostadouro de tremocilha começou a 24/07 com um valor nutritivo inicial de 11% PB e 64% MSD e terminou a 25/09 com 6,3% PB e 49,9% MSD. O feno tinha valor nutritivo médio de 7,1% PB e 53,2% MSD.

Em desfavor desta prática estará sempre, teoricamente, o decréscimo de qualidade da forragem seca face ao feno (ou silagem) quando cortado atempadamente. Mas, como se demonstrou neste trabalho, essa melhoria nem sempre se traduz em resultados práticos. Neste caso, a valorização nutritiva do grão de leguminosa, logo compensou a quebra de valor nutritivo da planta completa. Assim os animais os consigam captar do chão, como conseguem os ovinos.

Outros problemas, não dietéticos, desfavoráveis a esta prática são os riscos inerentes a uma forragem não guardada: perdas físicas ou adulterações, decorrentes da fauna selvagem, incêndios ou chuvas anormais. Daí o dever-se começar a pastorear este alimento antes das primeiras chuvas de fim de verão. Havendo pasto seco é preferível guardar este para mais tarde e fazer pastorear a forragem antes, já que as taxas de perdas são bem menores na reserva de pastagem.



Figura 3.1. Evolução do peso vivo de 2 lotes de ovinos, em dietas de agostadouro de tremocilha e de feno de azevém x tremocilha, ao longo de 63 dias.




Apesar destes riscos, pensamos que nas explorações sem restolhos de cereais, as vantagens económicas de deixar uma parte da forragem como feno em pé superam as desvantagens. E ainda mais se for para se fazer feno de baixa qualidade.

Já a decisão de deixar toda a forragem em standing hay, eliminando totalmente a fenação e os fenos, traria ainda mais economia de custos mas com riscos muito acrescidos, neste clima. As primeiras chuvas, pela sua imprevisibilidade, podem deixar o agricultor sem forragens para o outono.

Por isso, conservar algumas forragens ou guardar algumas palhas é um acto de absoluta necessidade, e de segurança, na pecuária da região. O período da ligação pascícola verão-outono é de muito difícil previsão quanto a gastos de palha ou de forragens conservadas. As reservas de pastos secos ou de forragens secas in situ, só podem e devem atenuar os custos em forragens conservadas mas muito dificilmente as conseguem anular, nomeadamente nas explorações de bovinos.  


Sobre este ponto, será oportuno referir alguns resultados mais relevantes de um trabalho que levámos a cabo, no sentido de se estudar a viabilidade técnica no Alentejo da prática do standing hay total, como reserva alimentar para o verão-outono (42). O trabalho estava inserido em projecto científico comunitário (CAMAR 8001-CT 90-0021) e decorreu ao longo de 3 anos (1991/92-1993/94).

Resumidamente, a metodologia consistiu em conduzir 2 núcleos de animais de cada espécie (vacas mertolengas e ovelhas merinas) em 4 pequenas unidades-modelo, de pastagens naturais de montado de azinho. Anualmente, cultivou-se em cada unidade 25% da área com forragem de aveia x vícia para os bovinos e aveia x tremocilha para os ovinos. Para cada espécie animal, uma unidade (unidade A) seguiu a técnica usual de corte da forragem em Maio para fenar, enfardar e guardar e a outra (unidade B) seguiu a técnica de deixar toda a forragem seca em pé, recorrendo-se a palha de trigo caso a forragem em pé não chegasse até à nova erva outonal. Utilizaram-se 10 vacas e 20 ovelhas em reprodução, em cada unidade de 20 ha e 5 ha, respectivamente. O local, foi a herdade da Abóbada, em Serpa.

Os objectivos foram verificar, por um lado, qual a área de forragens, em relação à área de pastagens, necessária para complementar os períodos de carência de pasto e por outro verificar qual o grau de aproveitamento da biomassa forrageira deixada em pé ao longo do Outono. A comparação produtiva entre as 2 unidades de cada espécie foi feita pelos índices de fecundidade e de fertilidade de cada lote de fêmeas reprodutoras.

O factor mais limitante neste, como noutros ensaios com pastagens de sequeiro, é sempre a irregularidade climática nos poucos anos que dura um projecto científico deste tipo. Também neste caso, os 3 anos do projecto corresponderam a anos secos e de grandes variabilidades pluvimétricas: 403, 296 e 390 l/m2, para uma média esperada na zona de 523,8 l/m2.

Como resultado da maior seca do 2º. ano, os resultados deste ano nas unidades com bovinos não mereceram ser considerados, devido ao irrealismo dos seus valores, por falta de pastagens. Já nas unidades com ovinos, apesar de tudo, consideraram-se os 3 anos agrícolas do projecto, dada a maior “facilidade” alimentar destes animais.

Os principais resultados estão expressos nos Quadros 3.9, 3.10 e 3.11. e nas Figuras 3.2 e 3.3., seguintes.


Quadro 3.9. Períodos e áreas de complementação com feno de aveia x vícia e palha de trigo, nas duas unidades com bovinos, em 2 anos agrícolas.

Parâmetros
Unidade A
Unidade B
Ano de 1990/91
Dias de complemento (com feno)
Complemento médio diário (kg/vaca)
Área equivalente de feno em % da área de pastagem (ha)

Ano de 1992/93
Dias de complemento (com palha)
Complemento médio diário (kg/vaca)
Área equivalente de palha em % da área de pastagem (ha)


177
8,4

21,3


103
7,5

14,6

44
9,8

3,1
(+33% de feno em pé)

30
8,4

4,7
(+33% de feno em pé)
 Unidade A: forragem fenada; Unidade B: forragem em pé.



Quadro 3.10. Períodos e áreas de complementação com feno de aveia x tremocilha, nas duas unidades com ovinos, em 3 anos agrícolas.

Parâmetros
Unidade A
Unidade B
Ano de 1990/91
Dias de complemento com feno Complemento médio diário (kg/ovelha)
Área equivalente de feno, em % da área de pastagem (ha)

Ano de 1991/92
Dias de complemento com feno Complemento médio diário (kg/ovelha)
Área equivalente de feno, em % da área de pastagem (ha)


Ano de 1992/93
Dias de complemento com feno Complemento médio diário (kg/ovelha)
Área equivalente de feno, em % da área de pastagem (ha)

88
0,74

6,4


93
0,53

8,3



64
0.89

5,5

0
0

24% de feno em pé


0
0

22% de feno em pé



0
0

13% de feno em pé
Unidade A: forragem fenada; Unidade B: forragem em pé.

Quadro 3.11. Quantidade de feno em pé, refugado no Outono, nas Unidades B.
Anos agrícolas
kg de refugos
(% do valor inicial)
Unidade com Bovinos
1990/91
1992/93
Unidade com Ovinos
1990/91
1991/92
1992/93

2504 (44%)
2238 (31,9)

1890 (40%)
1328 (32%)
2500 (46%)






Quatro grandes conclusões se tiraram destes valores obtidos:

1. No sistema clássico, a área de forragem a fenar, necessária a complementar a falta de pastos foi de 14,6 ha e 21,3 ha por cada 100 ha de pastagens, em 2 anos secos com bovinos, mas somente de 5,5 ha, 6,4 ha e 8,3 ha em 3 anos com ovinos. A capacidade dos ovinos fazerem a ligação pasto seco – erva verde foi bem maior, como tradicionalmente é sabido, e que neste trabalho se traduziu em cerca de 40% menos área de forragens face aos bovinos.

2. A técnica do standing hay total, para o nosso clima, foi possível de praticar com ovinos mas impossível com bovinos. Neste trabalho (só de 2 anos!), os bovinos necessitaram, respectivamente, de 44 dias e 30 dias de um complemento, para além do feno que ficou em pé, contrariamente aos ovinos.

3. Ressaltou o alto nível de refugo do feno em pé, verificado todos os anos em ambas as espécies animais. Refugos entre 31,9 e 46% da forragem inicial são certamente valores de significado económico, mas que, no caso dos ovinos, eles foram maiores devido ao excesso de área deixado em standing hay (33% da área da pastagem), permitindo taxas de escolha muito elevadas.

4. Melhor condição corporal dos bovinos ao longo do verão (início de parições em Agosto), nos lotes com pastoreio de feno em pé, comparativamente aos do feno cortado. O mesmo efeito não foi registado na unidade de ovinos, em agostadouro de aveia x tremocilha, com início de parições em Setembro. Estes sofreram maiores quebras de peso vivo no período outonal, por não se ter fornecido qualquer complemento até à nova erva.

Como conclusão geral confirmou-se, o que dalguma maneira já era previsível, que o modelo de gestão via forragens para agostadouro, pode ser posto em prática a 100% (0% de fenos), em explorações de ovinos de carne, possivelmente na maioria dos anos. Mas com vacas aleitantes, o modelo só funciona muito parcialmente; como tivemos oportunidade de verificar nestes 2 anos, a rotura do modelo acontece com as primeiras grandes chuvas, a partir das quais estes animais se recusam a comer a biomassa restante, apesar de ainda poder ser abundante.

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