Noções gerais sobre pastoreios
Um modo ou sistema de pastoreio pode definir-se, numa visão meramente economicista, como a maneira de conduzir os animais na pastagem, visando obter o máximo de produto animal por unidade de área pastoreada e por unidade de tempo.
Numa visão nutricionista, um sistema de pastoreio será a maneira de conduzir os animais na pastagem, de modo a proporcionar-lhes a melhor dieta possível para obter a maior produtividade, em cada período da erva.
Mas numa visão produtivista responsável, um sistema de pastoreio deverá ser o modo de conduzir os animais na pastagem, visando obter o maior produto animal possível, mas mantendo o equilíbrio ecológico, com renovação sustentável e, se possível, melhorada das pastagens em geral.
Hoje, não restarão dúvidas que uma qualquer definição de sistema ou modo de pastoreio terá de ter em conta esta última visão. Só assim se deve continuar a explorar pastagens, naturais ou melhoradas, procurando maximizar produções, mas sem os desequilíbrios e delapidações que os sub e os sobre pastoreios provocam, e se observam em muitas zonas do Globo.
Assim, talvez uma mais racional definição de modo de pastoreio deva ser aquele que, para cada exploração, permita tirar o máximo de produto animal, sem afectar a renovação natural das espécies pratenses e contribuindo mesmo para a sua melhoria quantitativa e qualitativa.
4.1. Pastoreios livres ou nómadas
Consideram-se como pastoreios de tipo livre, ocasionais ou nómadas todas as práticas de pastoreio, não circunscritas a uma área fixa e delimitada, quer sejam em pastos públicos ou privados.
Pela sua natureza, poderemos agrupá-los, embora com pesos históricos bem diferentes, em 2 tipos: pastoreios de oportunidade, ou de “pilhagem”, e pastoreios de transumância. Ambos se praticaram amplamente no Alentejo e, possivelmente, ambos ainda se praticam, mas com as dimensões relativas aos tempos actuais.
4.1.1. Pastoreio de oportunidade
Não podendo considerar-se este pastoreio como um sistema, com parâmetros fixos e definidos, convém, no entanto, relembrar as suas características e o modo como deve ser encarado, no contexto actual.
A atitude que hoje impera no sentido de se praticar uma agricultura sustentável, como factor de estabilidade e equilíbrio ecológico, deve aplicar-se também, com toda a propriedade, ao caso especial da pastorícia, tendo em conta tudo o que foram, e ainda são, os pastoreios sobre “pastos de ninguém", em terrenos públicos (baldios) ou ocasionalmente “abandonados”.
É do senso comum que qualquer recurso natural, mesmo renovável, se for lucrativo e não tiver limites de utilização, cai facilmente em sobre-exploração, dando-se-lhe poucas hipóteses de sustentabilidade. É nesta óptica que somos forçados a apelidar estes pastoreios como pastoreios de pilhagem, em relação às espécies herbáceas em causa.
No entanto, eles são histórica e socialmente compreensíveis, já que têm raízes em usos e costumes milenares (antes dos direitos de propriedade!) chegando aos nossos dias nas comunidades rurais ainda de grandes tradições na pastorícia. Eram (e ainda são!) práticas não enquadradas em qualquer modo racional de pastoreio, já que visam a sobrevivência de cada rebanho a qualquer custo, pois dele depende a sobrevivência do dono.
Os excessos de carga animal, resultantes de vários rebanhos, individuais e/ou comunitários, a percorrerem diariamente as mesmas áreas e em competição pelos melhores pastos, vai resultando no esgotamento e desaparecimento das melhores espécies. Outro factor de agravamento é o facto de estes pastoreios serem feitos, na sua quase totalidade, por ovinos e caprinos, espécies de alta selectividade e de grande "profundidade" de pastoreio (no caso dos ovinos).
O sobre-pastoreio dos caprinos, que buscam alimento nos três estratos botânicos – apelidados, por isso, de animais mais gastronómicos – faz-se sentir não só na melhor flora herbácea como na subarbustiva e arbustiva que esteja ao seu alcance. O resultado é também um continuado domínio das menos palatáveis, com desequilíbrios ecológicos lentos mas irreversíveis. É a forte acção devastadora dos browsers, quando em sobrecarga de pastoreio.
Estes efeitos, não se verificando já hoje nos pastoreios do Alentejo, convém sempre lembrá-los. Eles são temíveis e fazem parte hoje das 4 maiores causas da desertificação mundial: desflorestação, sobre-cultivo, sobre-pastoreio, e halomorfismo pelas regas. Cerca de 1/3 de toda a área do Globo sofre de problemas de desertificação por estas causas (57).
A verdade é que não é ainda possível, por via legislativa, fazer cumprir métodos racionais de gestão pascícola ou de práticas de pastoreio sustentável, em zonas baldias ou de propriedade indefinida. São práticas de sobrevivência que, apesar do direito, nos devem levar a antes preconizar uma postura do dever, sensibilizando populações para a necessidade (e urgência!) de saberem sustentar os recursos naturais, e nomeadamente as pastagens que eles tão bem conhecem.
E se na costa mediterrânea europeia algumas destas práticas não têm conduzido a maiores degradações das pastagens, com mais preocupantes sinais de desertificação ambiental, tal se deve à crescente desertificação humana das comunidades rurais, com grande diminuição de rebanhos.
Mas as consequências para as pastagens desta desertificação humana continuam a ser negativas, agora pelos sub pastoreios. É a invasão e domínio dos estratos caméfitos de maior porte (herbáceos e lenhosos), não controlados por animais nem por pessoas. É a evolução ecológica natural, não perturbada pelo homem, a que os ambientalistas dizem ser “o regresso do ecossistema” a caminho do seu clímax. E esta é uma situação já comum em Portugal e mesmo nalguns locais do Alentejo.
Mas sobre os mais preocupantes pastoreios de rapina, pensamos que eles foram aqui desaparecendo mais cedo que noutras regiões devido, fundamentalmente, à sua mais plana orografia e à mais rápida diminuição de áreas baldias em favor de áreas de cultivo em terra própria. Lembremos que foi nesta região que, logo no século XIV, a nossa histórica Lei das Sesmarias mais impacto teve. Hoje, pensamos já não deverem existir estes modos de pastoreio. A não ser, pontualmente, em solos públicos transitoriamente “abandonados”.
4.1.2. Pastoreio de transumância
Pertencendo ainda aos pastoreios livres, eles não têm a mesma conotação negativa dos pastoreios de pilhagem, antes referidos, já que se praticam, em princípio, sobre pastos próprios ou arrendados e terem níveis de encabeçamento mais normais e regulares ao longo dos anos.
A transumância caracteriza-se pela deslocação temporária dos rebanhos (na mesma região ou não), conforme varia a disponibilidade de pastagens, pastos secos, restolhos ou outras forragens, ao longo do ano. É também uma prática ancestral, certamente sucedânea da dos pastoreios oportunistas, que se foi enraizando socioeconomicamente, obrigando a criar e a respeitar regras de comportamento, para pessoas e animais, nas suas diferentes deslocações transregionais.
Ela chegou até aos nossos dias, embora com reduzida importância e já bastante mais regionalizada. Para isso muito contribuíram as inúmeras “barreiras” surgidas na paisagem (o emaranhado de vias de comunicação), as difíceis ou mesmo proibidas deslocação dos rebanhos por razões sanitárias e de controlo legal de efectivos, e as dificuldades e a dureza humana deste tipo de pastoralismo. Sem esquecer as já poucas áreas dispostas a receber estes animais.
Mas sempre valerá a pena fazer uma breve recordação ibérica desta actividade secular. A famosa Mesta de Pastores espanhola, que se manteve bem activa por cerca de 6 séculos (XIII – XIX) não passava de um poderoso e respeitado código de condutas, dos direitos e deveres da enorme transumância ovina desse país.
Constituída a partir da força que todas as seculares práticas têm, nomeadamente os seus usos e costumes, ela era a peça-chave do garante das deslocações dos inúmeros rebanhos de ovinos que todos anos, no Outono, vinham do centro-norte da península (Sória e Burgos) em busca dos tenros pastos verdes invernais do sudoeste do país; rebanhos estes que regressavam no fim da primavera a tempo de aproveitarem ainda alguns pastos verdes das regiões de origem.
A deslocação, duas vezes por ano de centenas de milhares de cabeças, entre distâncias que atingiam 600-700 km, exigia regras e procedimentos que era preciso respeitar, quer por parte dos pastores transumantes quer por parte das populações que eram atravessadas. As históricas cañadas não eram mais que corredores oficiais de passagem desses rebanhos, com larguras variáveis até próximo dos 100 m. Alguns destes corredores estão ainda na memória de anciãos rurais, contribuindo para, conjuntamente com pesquisas históricas, as localizar nas paisagens de hoje e as redesenhar em mapas actuais (24).
A “força” desta transumância em direcção à Extremadura e Andaluzia era tal que muitos rebanhos acabavam por atravessar a fronteira em busca dos pastos do Alentejo. Assim acontecia com a célebre “cañada extremeña ocidental” que vindo da zona de Sória, passava por Badajoz e Olivença e prosseguia para sul, junto à fronteira dos dois países, donde partiam ramos para o interior de Portugal (18).
Entre nós, como se observa na Fig. 4.1, a mais célebre canada tinha o nome de “canada serrana” pois era a que trazia, no Outono, os vários rebanhos das serranias beirãs, com passagem do Tejo por Vila Velha de Ródão (em barcaças, antes de haver ponte), e continuando por Nisa, Alter do Chão, Arraiolos, Évora (muito próximo da cidade) e Beja, chegando aos campos de Castro Verde e Ourique cerca de um mês após a partida das beiras. Eram cerca de 400 km percorridos à média de 10-15 km/dia, permitindo aos animais andarem e alimentarem-se, com o mínimo necessário, para aguentarem o ritmo de marcha (32).
Ao longo desta extensa caminhada havia ramos de canada por onde se iam repartindo e ficando rebanhos, conforme a abundância de pastos. Mas a concentração de rebanhos na actual zona do Campo Branco era tal que, em finais do século XVII, foi publicado o “Regimento dos Verdes e Montados do Campo de Ourique”, com legislação destinada a orientar esta intensa pastorícia sazonal. Foi como que a versão portuguesa da poderosa Mesta espanhola. Toda esta transumância de longa distância terminou por meados do século passado (32).
Hoje, subsistem no nosso país dois tipos de curta transumância ou, mais propriamente, de transterminância: uma maior, de altitude, entre as diferentes épocas de aproveitamento da erva (as mesmas razões que motivaram as longas transumâncias) e uma pequena, de planície, dominantemente transtagana, entre zonas de pastos e zonas de cereais.
Abordando somente esta última, é preciso recordar, outra vez, a clássica e eficiente complementaridade forrageira entre os sistemas de produção cerealífera e pecuária, no Alentejo. Os restolhos (e palhas!) do primeiro, sempre constituíram o mais usual e barato alimento para o segundo, nos períodos de ausência de erva.
Assim, e para aproveitamento destes restolhos, persistem ainda curtas deslocações estivais de alguns rebanhos de ovinos ou mesmo bovinos, para áreas de cereais, quando os pastos secos se esgotam. Podem ser deslocações entre herdades da mesma exploração com aptidão diferente, entre herdades de explorações diferentes ou, o mais comum, de rebanhos sem herdades que têm de alugar espaços.
No caso dos alugadores de restolhos é natural a tendência em deslocar para lá cargas elevadas até ao último dia, para melhor rentabilizar os custos desse aluguer. Sabedores disso, a reacção de muitos donos de “bons restolhos” tem sido a de só alugarem com base num preço por cabeça/dia, obtendo uma renda final mais de acordo com a biomassa que lá existe e normalmente mais elevada do que pelo modo de renda fixa. É uma forma também muito usada no arrendamento de pastagens e que é, diga-se, mais justa para ambas as partes.

Figura 4.1. Principais rotas da transumância em Portugal (32).
Também a deslocação temporária de alguns rebanhos de ovinos entre pastagens, que ainda hoje subsiste, não deixa de funcionar como uma pequena transumância sazonal de curta distância. Trata-se da deslocação de rebanhos “sem terra” ou com áreas reduzidas, para pastagens de montados de sobro, arrendados anualmente a proprietários que só exploram a cortiça (ou cortiça e caça!) e não querem ter lá gado permanentemente. Muitas vezes, são os mesmos rebanhos que no verão se deslocaram para os restolhos.
Estas deslocações para pastagens obedecem a contratos de mútua confiança com obrigações bem definidas pelo dono da terra, tais como: o período de pastoreio (geralmente na primavera), a não penalização do renovo, o proceder à limpeza de árvores, o cuidar de cercas, etc. Os valores destes pastos variam muito, não só com as obrigações acordadas como com o tempo de pastoreio e a carga animal permitida. A disponibilidade de erva em cada ano e a sua qualidade serão, no entanto, os factores mais decisivos nos contratos ano-a-ano.
Esta última transumância, pelo facto de se obrigar a pastoreios pouco intensos e em áreas pouco ou nada compartimentadas, não contribui muito para a melhoria das pastagens. As melhores espécies vão sendo anualmente escolhidas, favorecendo as piores e as arbustivas. A situação pode ser agravada pelo facto de se tratar quase só de pastoreio por ovinos.
Estes potenciais factores negativos dos pastoreios ocasionais só terminarão quando este donos-da-terra se decidirem a ter pecuária própria, constante e adequada às áreas disponíveis. Só aí poderá começar o melhoramento destas pastagens.
4.2. Pastoreios Fixos ou Sedentários
São todos os pastoreios implantados em uma ou mais parcelas próximas, com áreas e encabeçamentos fixos, ou muito constantes, ao longo de cada ano. Neles se inserem as mais comuns práticas de pastoreio, das actuais explorações pecuárias, visando tirar o máximo de rentabilidade dos pastos e, consequentemente, dos animais.
4.2.1. Pastoreios à corda e com peias
Não sendo nenhuns sistemas de pastoreio, são dos mais antigos modos de condução dos animais na pastagem, que também passaram pelo Alentejo. Merecem, por isso, breves referências.
O pastoreio à corda é de todos o mais restritivo para o animal, resultando num drástico e muito racional modelo de gestão da erva e de controlo do animal. Apesar de algum trabalho rotineiro diário, é uma prática com grandes vantagens na pequena exploração familiar, com poucos animais, razão porque ainda hoje subsiste.
As vantagens desta prática, pelo lado do animal, estão no seu muito baixo dispêndio de energia de pastoreio, na comodidade de vigia e na facilidade de utilização deste para outros fins, caso seja necessário. Elas contribuem também, de alguma forma, para domar os animais, podendo estes passar por fases iniciais de grande stress, conforme o temperamento.
Pelo lado da pastagem, esta prática permite as intensidades de pastoreio que se quiserem, em cada círculo formado pelo comprimento da corda, o que possibilita pastoreios bastante homogéneos e eficazes no controlo de infestantes. Permite ainda aproveitamento de pastagens em locais difíceis e confinados, desde que libertos de obstáculos enleantes.
Um risco para estas ervas poderá vir de algum excesso de tempo no mesmo local, por descuido ou falta de novas áreas, provocando rápidos sobre pastoreios. Os tempos mais recomendáveis de permanência diária no mesmo local serão as 5-7 horas, com corda-prisão de 4-5 m, permitindo, em erva com o mínimo de 10 cm de altura, alimento fibroso para 1,0 CN.
Outro risco desta prática, quando sobre largas áreas de pastos naturais, é o de se prenderem os animais sempre e só nas zonas de melhor erva, enquanto ela perdurar. Sendo uma atitude lógica e racional do homem para com o seu animal, não o é na óptica de promover um melhoramento equilibrado destes pastos. O não enleio dos animais, quando mais do que um, ajuda a desculpabilizar um bom aproveitamento de todas as áreas.
No Alentejo é já uma prática muito rara, circunscrita a alguns equinos, asininos ou mesmo caprinos, em courelas junto a povoados. Fora disso só se observa em gado das comunidades nómadas (ciganos). A grande excepção nacional será ainda o pastoreio à corda dos bovinos, em várias ilhas dos Açores.
O outro histórico modo de pastoreio é o que conduz os animais semi cerceados, por peias (algemas) de corda ou de correntes metálicas, aplicadas às duas patas anteriores ou a uma anterior e uma posterior. Usaram-se (e usam-se!), tal como na corda, em animais isolados ou de pequeno grupo, postos a pastorear em áreas abertas ou em grandes folhas e onde não se justifica ter um guardador a controlá-los.
Dificultando a sua deslocação, estes acabam por não fazer grandes percursos, evitando maiores pisoteios e pastoreios anárquicos. Não se evita aqui, no entanto, os pastoreios selectivos pelas melhores ervas em que eles, com mais ou menos dificuldade, se vão deslocando. Também o esforço energético de pastoreio pode ser bem maior que o de animais livres, embora percorrendo distâncias menores. Isso depende da disponibilidade de erva, do grau de cerceamento das patas e do temperamento animal.
Não há assim, nesta última prática, reais benefícios nem para a pastagem nem para o animal. Ela só se justificou, ao longo dos tempos, pela ausência de infra estruturas de contenção animal e pela poupança de mão-de-obra na guarda destes animais. Foi muito comum no Alentejo, com o gado muar de trabalho, até há cerca de 50 anos, mas hoje também já praticamente sem expressão.
4.2.2. Pastoreios contínuos
São os mais comuns e mundialmente expandidos modos de pastoreio. Teoricamente, definem-se como sendo pastoreios em que, durante todo o ano, o rebanho percorre livremente todos os pastos da exploração, sozinho ou conduzido pelo homem. Foi certamente o primeiro a ser praticado pelo agricultor com terra própria e que se manteve até aos nossos dias, com mais ou menos adaptações.
Hoje, podemos continuar a observá-los através dos típicos modos de condução, simples e intuitivos, com os animais a “comandarem” muitas vezes o pastor, este a comandar os cães e todos em bucólica harmonia, nas repetitivas voltas diárias do rebanho. Observam-se não só no Alentejo como por todo o País e por muitas partes do Mundo, tanto nas grandes explorações extensivas como nas pequenas explorações familiares.
Apesar de quase todas as explorações estarem hoje delimitadas por vedações de qualquer tipo, contendo os animais nas suas áreas, a função do pastor nestes pastoreios tem sido difícil de anular, dados os riscos a que estes animais, especialmente os de pequeno porte, continuam sujeitos, sejam de predadores sejam de roubos.
Quando não comportam qualquer restrição animal dentro da exploração, em nenhuma época do ano, estes modos de pastoreio apelidam-se de contínuos puros ou extremes, reforçando a sua característica inicial. Mas no Alentejo, e não só, eles foram evoluindo para modos de aproveitamento da erva mais eficazes, dentro do tipo contínuo ou não. Foi a racionalidade humana a adaptar o animal à erva de cada local, em cada tempo.
Hoje, os maiores seguidores e defensores dos pastoreios contínuos, não já puros, encontram-se em agricultores tradicionais, avessos ou sem possibilidades de alguns investimentos fundiários, com baixos encabeçamentos e despreocupados de qualquer melhoramento das suas pastagens.
Mas não só! Também hoje os novos e acérrimos defensores do bem-estar animal pugnam pela continuidade dos animais nestes modos de pastoreio, já que aqui a liberdade animal é quase total. Só que deste grupo, poucos serão verdadeiros agricultores!
Fora destas posições mais extremadas, há os verdadeiros defensores dos pastoreios contínuos, adaptados a cada caso e a cada época, e preocupados com a melhoria das pastagens. Eles tem vantagens e desvantagens que cada um valoriza conforme o seu caso.
Vejamos os principais prós e contras deste modo de pastoreio, na sua versão mais pura (que nem sempre significa mais condenável!).
Assim, pelo lado do animal, ao pastoreio contínuo associam-se as seguintes 4 vantagens:
- Dietas mais constantes e de melhor valor nutritivo (no curto-médio prazo), escolhidas livremente pelo animal
- Melhor autodefesa do rebanho de zonas ambientalmente desagradáveis (húmidas, quentes ou ventosas) com reflexos na saúde e bem-estar animal.
- Menor stress em cada animal, devido à natural distribuição do rebanho no terreno, com mais fácil convivência de hierarquias entre animais dominantes e dominados.
- Melhor autodefesa do rebanho das chamadas plantas venenosas (com moléculas anti-nutritivas, mais ou menos tóxicas).
Como desvantagens para o animal, são apontadas as 3 seguintes:
- Maiores gastos energéticos de pastoreio, afectando mais os animais mais débeis (maiores deslocações diárias do rebanho).
- Menores possibilidades de controlo de doenças e de interrupção de ciclos parasitários, dada a ausência de áreas em vazio animal.
- Maiores dificuldades nos controles de cada animal (reprodutivo, sanitário, inspectivo e outros), com mais bruscas movimentações do rebanho até aos parques de maneio.
Pelo lado das pastagens, aos pastoreios contínuos associam-se sempre menores eficácias no melhoramento destas, traduzidas nas seguintes 4 desvantagens:
1. Maior selecção florística do animal, escolhendo sempre as espécies mais palatáveis e mais jovens, mesmo na época de maior abundância (Primavera).
2. Menor e mais irregular taxa de aproveitamento das pastagens em geral e dos pastos secos em especial.
3. Menor contenção das espécies menos palatáveis e de menor valor nutritivo.
4. Mais rápido desaparecimento de espécies introduzidas, especialmente das menos adaptadas ou de porte mais baixo (caso de algumas leguminosas).
A primeira acção é a mais marcante, originando as outras três.
Fora do binómio animal-pastagem, e comparativamente a outros sistemas, ao pastoreio contínuo associam-se ainda 3 factores de natureza económica, com as seguintes tendências:
1. Maiores gastos de tempo na guarda e condução do rebanho, todos os dias do ano (mais mão-de-obra).
2. Menores investimentos fundiários em vedações e pontos de água para abeberamento.
3. Menores encabeçamentos médios em geral.
No sentido de se atenuarem alguns dos efeitos negativos, vejamos, de seguida, adaptações do pastoreio contínuo, no sentido de melhor aproveitar os ciclos da erva, e que têm permitido manter os numerosos adeptos deste sistema.
4.2.2.1. Pastoreio contínuo com restrição
As vantagens e desvantagens que acabámos de apontar para os pastoreios contínuos em geral têm a sua expressão máxima nos contínuos puros. Mas a pouca racionalidade dessa prática face aos ritmos de crescimento da erva em clima mediterrâneo (Figs. 2.6 e 2.8) levou, por certo desde há muitos séculos, à introdução de condicionantes, de modo a moldarem-se mais às variações da erva em cada época.
Assim, como é na primavera que há mais erva é nesta época que faz todo o sentido restringirem-se os rebanhos a áreas menores de pastoreio, guardando pastagem para corte ou para pastoreio diferido no final do Verão, como atrás já se referiu.
Esta restrição é a mais praticada neste clima e no Alentejo. Para além de melhorar a eficácia do pastoreio primaveril, permite também fazer reservas de pasto para os períodos de maior carência, que inevitavelmente se seguirão.
Não sendo, em princípio, uma decisão para melhorar a pastagem, a restrição primaveril acaba sempre por ter efeitos benéficos nesse sentido, dado o mais “profundo” e regular pastoreio, nessa menor área disponível. Daí a conveniência em não se restringir anualmente o rebanho sempre na mesma área (na mesma folha), como é muito usual por questões de localização ou de abundância de erva. O ideal será rodar as áreas de reserva, embora se saiba das dificuldades de muitas explorações, por insuficiência de parques ou folhas.
Há muito que as grandes explorações desta zona estão repartidas em folhas onde se estabelecem rotações culturais, pousios ou pastos permanentes (nos piores solos). O seu número continua muito ligado, para além da dimensão, às características e heterogeneidade de cada exploração (pedologia, orografia, hidrografia, estradas, etc.). Por isso, e apesar das actuais facilidades em construir vedações, o número de folhas continua muito rígido e insuficiente na maioria das explorações, na óptica do maneio e melhoramento das pastagens.
Os afolhamentos mais vulgares no Alentejo, para explorações acima dos 100 ha, situam-se entre as 3 e as 8 folhas, com dimensões variáveis entre elas, por razões da heterogeneidade acima referida. Normalmente, quanto maiores e piores são os solos, maiores e mais irregulares são as suas folhas. E quanto menos folhas e mais irregulares, mais difícil se torna restringir o pastoreio à área apropriada às disponibilidades de erva de cada primavera. Ou, inversamente, resguardar do pastoreio a área não necessária, em cada ano.
Áreas a não pastorear, na primavera
Dada a variabilidade produtiva destas pastagens, a área a resguardar (a não pastorear!) em cada primavera deveria também ser variável, consoante a disponibilidade alimentar desse ano. Mas isso não é fácil de por em prática por insuficiência de folhas, como se disse. O normal são reservas de folhas ou parcelas, de fácil resguardo, mas com áreas fixas, independentemente da produção de cada ano.
Vejamos, em 3 hipóteses de disponibilidade de erva no período Março-Junho, quais as áreas necessárias para manter um determinado efectivo.
Considere-se, pelas curvas de crescimento apresentadas no capítulo 2 (Figs. 2.5 a 2.9), que as disponibilidades de erva bruta neste período sejam as seguintes:
Ano muito húmido (curva H-H) ... 2.090 kg MS,ha-1
Ano muito seco (curva S-S) ..........1.050 »
Ano normal (curva média) ........... 1.825 »
Considere-se uma taxa média de aproveitamento destas pastagens, em pastoreio contínuo restringido, de 75%. Registe-se que esta taxa (biomassa ingerida/biomassa bruta) tende a ser maior em pastagens melhoradas e em anos de escassez, para uma mesma intensidade de pastoreio.
Considere-se também uma taxa de ingestão voluntária de MS, para pastagens desta época, de 2,4% PVdia-1. Esta taxa varia ao longo do ano, em primeiro lugar com a disponibilidade e qualidade nutritiva da erva e em segundo lugar com o tempo diário de pastoreio, com o esforço de pastoreio e com o estado fisiológico e sanitário do animal. Sem suplementos e para igual pastoreio, ela cresce normalmente desde o Outono até meados da Primavera, decrescendo depois até ao Verão.
Considere-se, por fim, níveis de encabeçamento, nesta época, a variar entre 0,4 e 0,6 CN ha-1. É geralmente neste período do ano que, no Alentejo, os encabeçamento das explorações são maiores devido às sobrecargas dos animais-filhos (em crescimento ou em engorda) e que os agricultores não querem vender senão no “fim das ervas”. Os valores deste parâmetro bem como o significado de CN serão abordados no capítulo seguinte.
Com base nestes pressupostos, pode-se calcular então (Quadro 4.1) as áreas suficientes à manutenção dos efectivos nesta altura do ano e as áreas que podem ser guardadas (ou fenadas) para utilização posterior.
Quadro 4.1. Valores percentuais de áreas suficientes ao pastoreio, no período Março-Junho, para cada situação descrita, e consequentes áreas que poderão ser reservadas.
Encabeçamentos
|
Ano muito húmido
Pastoreio Reserva
|
Ano muito seco
Pastoreio Reserva
|
Ano normal
Pastoreio Reserva
| |||
0,4 CN, ha-1
0,5 CN
0,6 CN
|
37 %
46
55
|
63 %
54
45
|
73 %
91
110
|
27 %
9
-10
|
42 %
53
63
|
58 %
47
37
|
Destes valores, destacam-se os mais de 60% de área que pode ser retirada de pastoreio nos bons anos de erva, com baixo encabeçamento; o não valer a pena qualquer restrição acima de 0,4 CN de encabeçamento em anos maus; e, no ano normal, os cerca de 40 a 60% de áreas a poderem ser reservadas consoante os encabeçamentos.
Só com restrições destes níveis se conseguem elevadas eficácias de pastoreio primaveril resultando em maiores ingestões totais e em maiores benefícios para o melhoramento da pastagem. A produção de sementes é que poderá ser afectada pela elevada pressão de pastoreio, devendo, por isso e como se disse, irem-se fazendo as restrições anuais sempre em áreas diferentes.
Em teoria, a melhor gestão deste pico da erva seria à vista, começando com uma área de pastoreio por defeito e depois ir alargando a mais área, logo que se atingisse a eficácia de pastoreio pretendida. Na prática isso pode ser tentado mas com baixo rigor, dado que esse ajustamento só poderá ser feito folha-a-folha e, como se disse, os afolhamentos são normalmente insuficientes.
Por exemplo, com 8 folhas de pastagem, poderemos restringir, aceitavelmente, o pastoreio a 38%, 50% ou 62%, se fecharmos 3, 4 ou 5 folhas, respectivamente. Mas se só houver 4 folhas, as restrições possíveis serão de 25%, 50% ou 75% (fechando 1, 2 ou 3 folhas), resultando em variações de área muito bruscas. Mas é sempre preferível passar-se de um pastoreio restringido por defeito para um por excesso, do que não restringir nada.
4.2.2.2. Pastoreio flexível ou “1 – 2 – 3”.
É um modo de pastoreio restringido, mais praticado nas regiões de clima atlântico (norte e centro da Europa), onde a produção de erva é maior e menos variável. Pratica-se normalmente entre o começo da primavera e o fim do outono, com estabulação do gado no inverno, conjugando pastoreios com cortes para conservar. Exige somente 2 folhas de pastoreio, repartidas desigualmente numa menor com cerca de 1/3 e noutra maior com cerca de 2/3 da área da exploração.
A sua prática britânica, p. ex., consiste basicamente no seguinte: pastorear a área menor no pico da erva (Abril-Maio) cortando a maior para ensilar; depois pastorear a maior no verão (Junho-Agosto), cortando a menor para ensilar ou fenar; e por fim pastorear as 2 áreas até à estabulação do gado (Inverno). As áreas de pastoreio são sucessivamente de 1/3, 2/3 e 3/3 da área total e, por isso, se apelida de sistema 1-2-3, conjugado com cortes para conservar (20).
No mediterrâneo pode também praticar-se, cobrindo mesmo todo o ano, mas sem grandes possibilidades de cortes para conservar. Corresponde a um sistema contínuo com uma restrição a 1/3 da área na primavera, sendo esta sempre a mesma, o que não é bom para as nossas pastagens anuais. Como vantagem económica terá o facto de só exigir uma vedação interna para formar as duas folhas desiguais.
A sua aplicabilidade às nossas pastagens será mais aconselhável se se fizer mais uma vedação de modo a resultarem 3 folhas com cerca de 1/3 cada. A sua gestão poderá ser então a seguinte: confinar o rebanho a um terço da área (1 folha) no período Março-Maio, depois passá-lo para os dois terços guardados (2 folhas) no período Junho-Setembro e finalmente abrir-se toda a área da pastagem (3 folhas) no período Outubro-Fevereiro.
Isto já permite fazer variar todos os anos a folha de maior restrição primaveril, com grandes benefícios para estas pastagens. O mais difícil de gerir será a restrição fixa a 1/3 da área, que tanto pode chegar como faltar, dependendo do ano climático.
4.2.3. Pastoreios rotacionais
Não sendo sistemas muito aplicáveis às pastagens de sequeiro do Alentejo, ele fará todo o sentido nas poucas pastagens de regadio desta como de outras regiões do país. Mas mesmo no sequeiro ele poderá praticar-se no curto período de erva mais abundante.
Valerá, então, a pena recordarem-se os principais parâmetros e características destes pastoreios racionados.
Por definição, um pastoreio rotacional será todo aquele que mantém os animais a pastar X tempo (Tempo de pastoreio) numa dada área, deixando-a depois em descanso por Y tempo (Tempo de descanso), circulando os animais por outras áreas, até que esta tenha regenerado novamente a pastagem.
André Voisin (1902-1964), físico/químico/agrónomo/veterinário/agricultor, foi o técnico e o investigador (um empirista!... acusavam-no os seus colegas da altura) que, em meados do século passado, mais se debruçou sobre as pastagens normandas e em especial sobre os princípios do pastoreio racional. A sua obra ficou bem documentada através de 8 livros publicados entre 1946 e 1965, continuando alguns ainda como obras de referência destes pastoreios, em muitas bibliotecas nacionais e internacionais. E na verdade continuam-se hoje a publicar novas edições, nas principais línguas mundiais.
Foi no espírito de um aproveitamento mais racional das pastagens, que este autor detalhou os princípios do seu pastoreio, culminando em 4 regras determinantes do sucesso, praticado como rotacional. Elas ficaram conhecidas como as “Leis de Voisin” para as pastagens e animais e a que o autor chamou mesmo de “leis universais do pastoreio racional”. Podem resumir-se nos seguintes 4 princípios, segundo livre tradução nossa:
1ª. Os tempos de descanso de uma pastagem devem ser tais que permitam às plantas pastoreadas refazerem o crescimento que tinham antes e reporem as suas reservas glucídicas.
2ª. Os tempos de pastoreio de uma pastagem devem ser tão curtos que não permitam aos animais voltarem a comer, no mesmo tempo, nova erva já em rebentação.
3ª. Os animais mais produtivos, exigindo melhor dieta, devem ser postos nas ervas mais altas e de melhor qualidade, permitindo maximizar a ingestão.
4ª. Os tempos de pastoreio não devem ultrapassar os 3 dias, para uma maior e mais regular produção animal. A máxima produção obtém-se com 1 só dia de tempo de pastoreio.
adaptado de Voisin, (49)
São princípios que, à luz dos conhecimentos actuais, parecem óbvios, mas que na altura eram referências técnicas e práticas bastante úteis, para quem se iniciava em modos de pastoreio mais intensivos e racionais. De referir que foram leis pensadas e redigidas para pastagens temperadas do centro da Europa e quase só para bovinos de leite.
Para uma melhor compreensão das bases deste pastoreio achámos útil recordar aqui as dinâmicas que regem os parâmetros do pastoreio rotacional, aplicáveis ontem como hoje em qualquer região e em qualquer prado que justifique um pastoreio mais racional e intensivo, como são as nossas poucas pastagens de regadio.
4.2.3.1. Parâmetros de uma rotação
Qualquer rotação caracteriza-se por três parâmetros:
1. O tempo de pastoreio em cada parcela (Tp).
2. O tempo de não pastoreio, ou de "descanso" da erva, de cada parcela (Td).
3. O tempo que o rebanho leva a voltar à mesma parcela, ou seja, o tempo total de uma rotação completa (R).
sendo R = Td + Tp = Tp x n (nº. de parques)
Em teoria, os Tp e Td serão iguais em todas as parcelas ou parques onde decorre o pastoreio, mas na prática isso pode ou não acontecer. Os parques, mesmo tendo áreas iguais, podem ter diferentes potencialidades pratense, por diferenças de fertilidade de solos, de composição florística ou de eficácias de rega.
Quando assim for, conduz-se o rebanho variando os Tp em certas parcelas ou parques, conforme as disponibilidades de erva. Isto resulta em variações inversas nos Td de cada parque, caso se queira manter o mesmo tempo total da rotação (R). É a chamada rotação flexível.
Estes 2 parâmetros variam de época para época devido à inevitabilidade do clima originar crescimentos de erva diferentes ao longo do ano, mesmo em regadio (Fig. 2.9).
Para além do clima, os outros factores que mais determinam (ou influenciam) o Tp em cada parcela são:
- O nº. de parcelas na rotação.
- O nº. de animais (CN) na parcela (densidade animal).
- A qualidade e a palatabilidade da erva.
- A espécie animal e os seus níveis de produção.
- A necessidade de controlo a dente de infestantes do prado.
Destes, o mais determinante é o número de parques, fixos e/ou móveis, em que a rotação se estiver a desenrolar, como se verá.
Na prática, os Tp podem ir de algumas horas (1/2 dia) até cerca das duas semanas (14 dias), além dos quais, e mesmo que ainda haja alimento, já deficientemente se pode assegurar que a nova erva de rebentação não esteja a ser comida (2ª. Lei Voisin).
Quando se refere o número de dias do Tp refere-se a dias completos de pastoreio, e não a dias com escassas horas de pastoreio. Neste caso, deve definir-se a rotação pelas horas de pastoreio em cada parque.
Em horário livre, cada dia terá 7 - 9 horas de pastoreio, mas com animais em lactação, e por imperativos de ordenhas, estes tempos são muitas vezes restringidos a 4 - 6 horas, completando-se a dieta em estabulação, com suplementos. Isto resulta em mais tempo com erva disponível nas parcelas, mas que deriva somente de menores intensidades de pastoreio diário.
Também outros factores, para além da época do ano, podem determinar (ou influenciar) o Td de cada parcela, tais como:
- A intensidade de pastoreio no Tp anterior.
- A altura mínima da erva, exigível.
- O grau de infestantes de má qualidade na pastagem.
É por estes factores, nomeadamente pela época do ano em que decorre a rotação, que se prevê o tempo necessário de não pastoreio da erva para que ela refaça a sua parte aérea. Contrariamente ao parâmetro Tp, o número de parques da rotação tem aqui muito pouca influência.
Para o nosso clima, os Td podem ter de variar entre as cerca de 3 semanas (20-21 dias) e o mês e meio (40-45 dias). Valores inferiores a 20 dias vão contribuir para o esgotamento do prado (1ª. Lei Voisin) e superiores a 45 dias não justificam pastoreio em rotação formal.
Sobre o tempo, ou ciclo, da rotação (R) este dependerá, como se depreende, do Tp e do Td, dizendo-se que a rotação é mais ou menos "acelerada" (rápida) consoante o tempo R for menor ou maior. Pelos valores extremes atrás referidos, poderemos então ter rotações tão curtas como 3 semanas (20+1/2 dias) e tão longas como 2 meses (45+15 dias), não sendo nenhuma delas aconselhável.
Tipo e número de parques da rotação
Os materiais hoje disponíveis para construir vedações (postes, redes, arames farpados, fios e redes electrificadas, etc.) são de gama variada, fáceis de aplicar e eficazes, seja neste como em qualquer outro modo de pastoreio. As vedações fixas são as mais usadas, constituindo, no pastoreio rotacional, toda a malha dos parques ou só uma malha principal onde se montam subdivisões móveis.
Os fios (ou redes!) electrificados são hoje as barreiras móveis mais usadas neste sistema, permitindo mudanças frequentes do rebanho para erva nova. Elas possibilitam o apertado pastoreio em faixas – conhecido internacionalmente por strip grazing – dentro de parques fixos de maiores dimensões (Fig. 4.1). É por esta técnica que se conseguem números de parques tão elevados e variáveis quantos os necessários.
Sobre o número de parques necessários a uma determinada rotação, após se pré definirem os parâmetros Td e Tp, eles calculam-se rapidamente, para 1 só rebanho em pastoreio, pelas seguintes expressões:
Td/Tp = Nº. de parques + 1 ou R/Tp = Nº. de parques
A situação de 1 só rebanho é a mais comum, mas caso andem mais rebanhos (um principal e outro secundário, p.ex.) na mesma rotação, temos de adicionar mais 1 parque aos cocientes Td/Tp ou R/Tp, como adiante se mostra.
Como estes quocientes têm de dar sempre um número inteiro de parques é necessário, em muitos casos, alterar os valores pré definidos de Tp ou Td, para acertar a rotação. O mais aconselhável é alterar os dias de Td para mais ou para menos, fixando-o no valor mais próximo do tempo recomendável, já que é menos sensível para o prado.
Caso se pretendam fazer, numa mesma pastagem, rotações com Tp muito variáveis vejamos, pelo exemplo seguinte, como isso exige mexer-se bastante na malha de parques:
Exemplo para um prado e uma época em que o Td aconselhável fosse próximo dos 35 dias (32-36) e se pretendessem fazer rotações com Tp de 8, 5 e 3 dias
32/8 = 4+1= 5 parques; 35/5 = 7+1= 8 parques; 36/3 = 12+1=13 parques
Assim, nesta mesma rotação de 39-40 dias, para se poder reduz o Tp de 8 para 3 dias, exige-se mais que a duplicação dos parques, o que, tendo embora mais investimento, permite melhorar a gestão da erva. É uma dinâmica que se pratica mais facilmente com o auxílio de barreiras móveis, electrificadas ou não.
Vejamos ainda, noutro exemplo, a aparente contradição de, no caso do número de parques permanecer constante (a situação mais comum, com vedações fixas), o número de rotações possíveis ir diminuindo nas explorações com mais parques.
Exemplo do nº. de rotações que se podem praticar, com um só rebanho, em explorações com 4, 8 e 12 parques, dentro da variação de Td atrás referida.
Exploração com 4 parques (3+1)
21/7=3; 24/8=3; 27/9=3; 30/10=3; 33/11=3; 36/12=3; 39/13=3;
42/14=3; 45/15=3
Exploração com 8 parques (7+1)
21/3=7; 28/4=7; 35/5=7; 42/6=7; 49/7=7
Exploração com 12 parques(11+1)
22/2=11; 33/3=11; 44/4=11;
Parece, assim, preferível ter-se menos parques, já que a maleabilidade de rotações é maior. Mas isso não é verdade em termos da melhor gestão da erva pois não permitem baixos Tp.
Com 4 parques só são possíveis tempos de pastoreio acima de 7 dias, resultando em ciclos mais lentos e em maiores variações na qualidade da erva e das dietas. Com 12 parques só são possíveis 3 tipos de rotação mas todas com Tp abaixo de 4 dias, logo com ciclos mais rápidos, possibilitando pastoreios de erva mais jovem.
Por isso, mesmo com parqueamento fixo, é sempre preferível trabalhar-se com maior do que com menor número parques. Estes podem sempre reduzir-se, através da abertura de portas, quando for conveniente.
O único senão é de ordem financeira, mas que será de ponderar bem, no caso de um novo projecto, já que os custos da sua construção não são directamente proporcionais ao seu número. São sempre menores, para a mesma configuração geométrica.
4.2.3.2. Pastoreio rotacional no sequeiro alentejano
Atendendo a tudo o que já se disse sobre as pastagens de sequeiro na região, poucas condições parecem existir para a prática deste racionado sistema. De facto, fora dos 3-4 meses do pico da erva, o pastoreio rotacional com a dinâmica que lhe está implícita não é possível. A taxa de crescimento da erva fora deste período é muito baixa, ou nula.
Assim, este sistema só se justifica praticar no período primaveril, dentro das áreas restritas ao pastoreio. Mas aqui, a maior dificuldade prática vem, uma vez mais, da falta de parques (cercas) para o praticar nessas áreas, já que eles quase não existem. E, mais uma vez, a sua construção é dispendiosa para estas explorações.
A solução mais económica seria pelas vedações móveis nas áreas que em cada ano ficassem restritas ao pastoreio da primavera, mas a eficácia destas barreiras (mesmo eléctricas) é muito baixa para a maioria dos bovinos aleitantes da região, nomeadamente para os de raça pura. O seu “temperamento” não é contido por vedações singelas, mesmo que a erva abunde. Com ovinos já esta contenção é possível e fácil de praticar.
De qualquer modo, todas as tentativas para praticar rotações primaveris adequadas à erva serão desejáveis quer para a dieta animal, quer para o aproveitamento da biomassa, quer para o melhoramento da pastagem. Atendendo ao que se disse sobre rotações, e tratando-se de gado reprodutor ou mesmo de crescimento, o mais adequado será praticar rotações pouco “aceleradas”, poupando-se no nº. de parques e na robustez das vedações.
Sobre o seu tipo e número, atendendo ao pico de produção destas pastagens, o mais adequado serão 3 rotações do tipo 35/7 (Td = 35dias; Tp = 7dias), num conjunto de 6 cercas (com um só rebanho!), entre meados de Fevereiro e meados de Junho. A área das cercas dependerá da dimensão do rebanho, sabendo-se que, num ano médio de erva, suportam uma densidade de cerca de 4CN/ha, neste período.
Na prática, isto significa que, p. ex., em 6 cercas de 25 ha cada, pode-se fazer rodar semanalmente um rebanho de 100 bovinos adultos, algures entre Fevereiro e Junho, numa primavera normal de pastagem. Findo este período, é de regressar ao pastoreio folha-a-folha, em toda a área de pastagens, num misto entre contínuo e rotacional lento, consoante o nº. de folhas for menor ou maior. É o modelo mais praticado na região. Na primavera seguinte logo se pode voltar às rotações em 6 cercas, construídas sobre a mesma ou, sempre que possível, sobre diferente área restrita de pastagem.
4.2.3.3. Pastoreio rotacional no regadio alentejano
Em pastagens de regadio só faz sentido praticar-se este modo de pastoreio. Atendendo à dinâmica de crescimento destes prados, julgamos adequado e suficiente construírem-se 8 parques fixos, permitindo praticar rotações, em qualquer época do ano, com Tp de 3 a 7 dias e Td de 21 a 49 dias. Querendo praticar-se Tp ainda menores – mudanças diárias de erva em gado leiteiro, p.ex. – facilmente se consegue nesta estrutura, com 2 barreiras móveis, subdividir cada parque em três sub-parques ou faixas, num total de 24.
Em prado sob sistema de rega do tipo pivot, hoje o mais vulgar na região, o desenho mais eficaz e económico destes parques (menos metros de vedação) será em sectores circulares, construindo barreiras canadianas entre parques, em cada local de passagem das rodas do pivot. Os bebedouros poderão fixar-se, fácil e comodamente, na zona mais central do círculo. (Fig. 4.2).
Rotações flexíveis aos parques e à época do ano
Como antes se disse, rotações com igual tempo de pastoreio (Tp) em todos os parques, dizem-se rotações rígidas, mas se este parâmetro vai variando de parcela para parcela, consoante a disponibilidade de erva, dizem-se flexíveis.
Isto é, para n parcelas (ou parques)
R = Tp1 + Tp2 ... + ... Tpn
É a condução mais provável em parques de maiores dimensões (>5 ha), cujas irregularidades produtivas entre eles são também mais prováveis. Será, por isso, a condução mais provável nos regadios do Alentejo, sem grandes problemas desde que se consiga manter o tempo R de cada rotação. As rotações rígidas são mais comuns em pastagens muito homogéneas e com parques mais pequenos e iguais, como, p. ex., no pastoreio em faixas, com barreiras móveis.
A adaptação das rotações às épocas do ano tem a ver, como também já se referiu, com as diferentes taxas de crescimento da erva no nosso clima, mesmo em regadio, exigindo diferentes Td consoante a época. Há que adaptar cada rotação aos tempos mínimos indispensáveis ao recrescimento da erva, em cada período. É desta “determinação” climática que resulta, muito frequentemente, conduções de sobre-pastoreio nos parques por “falta de parques”, antes ainda de se assumir ser por falta de erva.
Mas, se se avançar o rebanho mais rapidamente por falta de erva, então não se cumprem os Td mínimos, pelo que a erva, de pouco crescimento, continua insuficiente em cada parque, pondo a dieta e o prado em risco. Já Voisin (1957) deu então grande ênfase a esta diminuição progressiva dos tempos de pastoreio por falta de pastagem nos parques. Chamou-lhe o erro de “aceleração da rotação fora de tempo”, de que poderia resultar um rápido esgotamento do prado, por pastoreio da erva cada vez mais jovem.
Nos prados de regadio do Alentejo, e atendendo à normal curva de crescimento destes, poderemos estabelecer pastoreios em rotação durante cerca de 10 meses do ano (Fev. a Nov.), respeitando períodos de não pastoreio (Td) entre as 4 e as 6 semanas, consoante a época.
Nos meses de Dezembro e Janeiro surgem as habituais ineficiências ou penalizações de pastoreio, seja pelo diminuto crescimento da erva seja pelo impróprio estado físico do solo (encharcamentos), sendo então preferível o “descanso” invernal da erva.
Assim, para esta região e para uma situação de 8 parques e um só rebanho, aconselham-se as seguintes 8 rotações (Quadro 4.3.), com os animais a entrarem a 1 de Fevereiro e a saírem a 03 de Dezembro, num ano normal.
Quadro 4.3. Número, época e tipo de rotações aconselháveis em prados de regadio no Alentejo, com 1 só rebanho e 8 parques de pastoreio.
Nº. de Rotações
|
Períodos
do ano
|
Tp médio, por parque (dias)
|
Td, por
parque (dias)
|
R de cada rotação (dias)
|
1
3
3
1
|
01 Fev.-12 Mar.
13 Mar.-19 Jun.
20 Jun.- 21 Out.
22 Out.- 03Dez.
|
5
4
5
6
|
35
28
35
94 a 60 *
|
40
32
40
-
|
* Dias de descanso do primeiro e último parque, até ao ciclo seguinte, no caso de não
haver pastoreio invernal.
Com este calendário, explora-se o prado em 8 pastoreios intensivos, num total de 38 dias por ano, somente. Só assim se consegue uma mais elevada qualidade e regularidade de ingestão da erva (de 8 rebentações), permitindo elevadas performances animais, quer de leite quer de carne.
As inevitáveis penalizações do animal sobre a erva (pisoteios e excreções) são mais elevadas nestes curtos períodos de pastoreio mas de intermitências maiores. Mas em relação aos dejectos, as áreas de não pastoreio (na zona das fezes) são menores com cargas elevadas em períodos curtos do que em períodos de pastoreios mais longos e menos intensos (50). As possibilidades de seleccionar áreas reduzem-se mais rapidamente por falta de erva.
Isto para bovinos, já que para ovinos estas penalizações são muito menores. Os ovinos, nalgumas explorações, entram mesmo nas rotações a seguir aos bovinos com a missão de aproveitar a erva rejeitada por estes, junto à bosta.
Em qualquer dos casos, só mesmo o período de não pastoreio invernal alivia consideravelmente os impactos do animal na pastagem; daí a vantagem do “descanso” da erva nesta época.
4.2.3.4. Rotações com 2 rebanhos
Refere-se esta situação já que ela pode-se por no Alentejo quer nas rotações dos prados de regadio quer nas desejáveis rotações da primavera, nas pastagens de sequeiro. Pode ser conveniente introduzir-se um segundo lote de animais, de produtividade diferente (vacas secas, novilhas de substituição, núcleo de ovinos, etc.) e que por isso devem andar em rebanhos separados.
Parecendo uma decisão simples, ela é impossível de por em prática num parqueamento fixo já existentes, respeitando os mesmos valores de Tp e de Td usados para um só rebanhos
Aqui, para mantermos o mesmo tempo da rotação (R), teremos de ter
Td/Tp = Nº. parques + 2 ou R/Tp = Nº. parques +1
com os tempos reais de pastoreio a serem sempre duplos (2 rebanhos) dos Tp da rotação.
Agora, ou se mantêm os mesmos Tp e Td duplicando os parques, ou se mantêm os mesmos parques alterando os Tp e Td. Em respeito pelo não esgotamento do prado, o Td tem de manter-se, pelo que tem de se variar o Tp caso não se altere a estrutura de parques.
Exemplificando com a rotação em 8 parques do tipo 28/4 = 7 +1 – que elegemos como a mais acelerada para a primavera dos nossos prados – vejam-se 3 hipóteses de alteração, necessárias para nela introduzirmos 2 rebanhos independentes, em pastoreio simultâneo, numa mesma área de pastagem.
Ou se dividem os parques, duplicando-os, mantendo os mesmos parâmetros da rotação
a) 28/2 (+2) = 14 + 2
Ou se duplica o tempo de pastoreio e se encurta o de descanso, mantendo os parques e acelerando a rotação
b) 24/4 (+4) = 6 + 2
Ou se aumenta o tempo de pastoreio e de descanso, mantendo os parques e desacelerando a rotação
c) 30/5 (+5) = 6 + 2
A hipótese a) é a única que permite manter a mesma carga animal e a mais adequada ao prado. E a sua execução é sempre de ponderar, já que até pode passar simplesmente pela introdução de barreiras móveis a dividir os parques fixos. As outras hipóteses exigem cálculos prévios sobre necessidades alimentares de cada rebanho, para que cada parque possa suportar o dobro do tempo de pastoreio, em cada rotação. No caso da hipótese b) de maior aceleração, o risco de sobre-pastoreio e esgotamento do prado são enormes, sendo a mais rejeitável.
Habitualmente, esta situação comporta sempre um rebanho principal, com maiores necessidades, o qual vai na frente da rotação, seguido por um rebanho secundário que irá aproveitar a erva sobrante do primeiro. É o sistema conhecido internacionalmente por leaders and followers grazing ou por creep grazing mais aplicado a borregos e ovelhas.
Como, para se manter a rotação, os Tp têm de ser iguais para ambos os rebanhos, ter-se-á forçosamente de introduzir rebanhos de diferentes necessidades alimentares, seja pelo número de animais seja pelas suas exigências nutritivas. Uma prática usual é a que põe o primeiro rebanho a ingerir cerca de 2/3 da melhor erva e o rebanho secundário (preferencialmente de outra espécie) a aproveitar e limpar, em igual tempo, o restante terço da erva sobejante.
Um último aspecto a ter em conta nesta situação dos dois rebanhos é o intervalo de tempo entre os dois pastoreios no mesmo parque. Pelo lado da pastagem é sempre preferível que os dois rebanhos andem em parques contíguos, sendo a erva pastoreada como que num só período contínuo. Mas pelo lado dos animais é mais seguro que os rebanhos andem afastados alguns parques, prevenindo mistura de animais.
Ter os rebanhos em pólos opostos dos parques será a situação mais penalizante para a pastagem embora seja a mais segura para os animais. O intervalo de 1 parque, sendo o mínimo já com alguma segurança para os animais, vai, ainda assim, reduzir o Td de cada parque para Td-Tp. Com ovinos como segundo rebanho, estes podem, e devem seguir, logo junto aos bovinos.
Figura 4.2. Exemplo esquemático de 4 parques fixos com corredor de acesso, cada um a ser explorado em 8 faixas de pastoreio diário, através de 2 barreiras móveis, num total de 32 parcelas.
Figura 4.3. Exemplo esquemático de 8 parques fixos, aconselháveis para prados de regadio com rega por pivot, para o Alentejo, possibilitando 3 rotações do tipo 28/4, 35/5 ou 42/6, consoante a época do ano e para um só rebanho.
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