1.1 Área, solos e uso agrícola
Do ponto de vista agrícola e florestal, não é concordante encontrar-se um valor fixo sobre a dimensão da região denominada ALENTEJO. Se do ponto de vista administrativo não haverá dúvidas, concordando-se ou não, já o mesmo não se pode dizer no que respeita a esta grande mancha agro-florestal, dada a continuidade ecológica entre o Alentejo e as regiões adjacentes, a norte e a sul.
São geralmente os limites com o Ribatejo e a Extremadura (distritos de Santarém e Setúbal) os mais esbatidos, dada a continuidade do facies agrícola nestas zonas, de areias coluvionais de recente formação geológica. A não se respeitarem os limites administrativos, é sempre possível cooptar áreas como sendo alentejanas (ou ribatejanas!) dada a similitude de parâmetros agro-ecológico (pedológicos, climáticos, hídricos, herbáceos, florestais, ou outros).
Assim, segundo os últimos dados online do INE (54) o Alentejo tem 2.732.380 ha; mas, segundo a mesma fonte, se adicionarmos as áreas dos distritos de Portalegre, Évora, Beja e os 5 concelhos do litoral (Alcácer do Sal, Grândola, Santiago do Cacém, Sines e Odemira) o Alentejo terá então 2.904.530 ha (Fig. 1.1), sendo esta a área actualmente sob tutela da Direcção Regional de Agricultura do Alentejo (Ministério da Agricultura).
Para Ário Azevedo e Cary (4), os solos de sequeiro do Alentejo estendem-se por uma área, arredondada, de 2.672.000 ha, segundo as formações pedológicas que se mostram do Quadro 1.1.
Para o caso das pastagens de ecologia alentejana, poderemos facilmente arredondar a área até cerca de 3.000.000 de hectares se incluirmos zonas de montados da charneca ribatejana e do sul da Beira Baixa. Elas ocupam todas as manchas de solos não urbanos e não cultivados ou de cultura intermitente, por razões de qualidade pedológica, de orografia ou de floresta.
Dentro desta vasta região (1/3 do Continente!), os solos são o elemento mais diversificado. Isso mesmo ressalta do mapa sucinto das grandes famílias de solos no Alentejo, (classificação FAO), mostrado no Atlas da Direcção Geral do Ambiente (Fig. 1.2.-A).
Também pelo mapa da Carta de Solos referentes ao Alentejo (55), se constata a presença na região de praticamente todas as ordens e subordens de solos descritas para o país. Com mais representatividade destacam-se 4 subordens de solos – Litossolos, Solos litólicos não húmicos, Solos mediterrâneos pardos e Podzóis – por sua vez bem repartidas em diferentes grupos, subgrupos e famílias.
Ligando o valor agrícola, ou classe de uso, destes solos à sua pedologia, ressalta ainda do Quadro 1.1 que 70% (34% + 36%) dos solos alentejanos são incipientes e delgados com mais aptidão para a silvo-pastorícia, contra somente 30% (10% +16% + 4%) de solos de uso agrícola mais favorável.
São valores conhecidos de há muito, mas que convém recordar e realçar aqui, neste campo das pastagens. Assim, haverá nesta região cerca de 2.100.000 ha de solos ditos “maus ou pobres” para a cultura agrícola, cuja utilização (que não vocação, como por vezes é referido!) deverá ser então a praticultura ou pascicultura.
E para além da pedologia desfavorável, são solos cuja génese (natureza das rochas-mães), lhe deu características químicas de solos ácidos, havendo poucos com pH acima de 6,5 (Fig. 1.2.-B). Mas como se pode constatar neste mesmo mapa, os solos ácidos são dominantes em todo o país, seja pela natureza da rocha-mãe, seja pela “lavagem” de bases de troca, seja pelos níveis de MO. Este é também um factor limitante para muitas espécies herbáceas, nomeadamente para leguminosas.
Se analisarmos os dados do último Recenseamento Geral Agrícola (1999), verifica-se para o Alentejo uma área agricultada total de menos de 2.000.000 ha (Quadro 1.2.), mas onde as pastagens e forragens, incluindo pousios, ocupariam 1.406.822 ha, ou seja, 71% da área recenseada. A proporção está de acordo com a atrás referida para a qualidade dos solos, mas que deverá ter aumentado nos últimos anos, por razões de preços de cereais e de alterações da PAC.
Se alargarmos a área de influência deste ecossistema até aos 3.000.000 ha, teremos então cerca de 2.000.000 ha para pastagens e forragens, neles se integrando, desde logo, a quase totalidade das áreas sob coberto de montados, de pinhais (P. pinea) e de olivais velhos.
Quadro 1.1. Classificação e repartição dos solos de sequeiro do Alentejo.
Ordens e Subordens | Áreas (ha) | (% da área total) |
Barros, Para-barros e afins Solos Mediterrânicos, Pardos e Vermelhos, não calcários. Solos Litólicos não húmicos e Argiluviados delgados. Solos Argiluviados não calcários e calcários. Solos Argiluviados delgados e Litossolos TOTAL | 275.000 417.000 900.000 108.000 972.000 2.672.000 | 10 16 34 4 36 100 % |
Adaptado de Ário Azevedo e F. Cary, (4)
Quadro 1.2. Principais culturas e respectivas áreas, recenseadas no Alentejo em 1999.
Principais culturas | Superfícies (ha) |
Cereais para grão Pousios Prados temporários e cult. Forrageiras Prados e pastagens permanentes Olival Vinha Outras culturas TOTAL | 325.832 439.512 149.008 818.302 138.084 16.580 97.750 1.985.068 |
Recenseamento Geral Agrícola de 1999, INE
É nos pastos desta vasta área que se alimenta e se reproduz toda uma pecuária transtagana, cujos efectivos representavam, face aos totais nacionais, 28% dos bovinos, 50% dos ovinos e 22% dos caprinos (Recenseamento geral Agrícola, 1999). Este último arrolamento geral de gados registou, para a região agrícola do Alentejo, os valores constantes do Quadro 1.3.
Quadro 1.3. Número de cabeças de gado herbívoro, recenseadas no Alentejo, em 1999.
Espécies herbívoras | Número de Cabeças |
Bovinos Bovinos – Vacas leiteiras Bovinos – Outras vacas Ovinos Ovinos – Fêmeas reprodutoras Caprinos Caprinos – Fêmeas reprodutoras Equídeos | 392.268 20.830 203.163 1.476.342 1.189.892 119.949 100.962 12.638 |
Recenseamento Geral Agrícola de 1999, INE
Para além da cortiça e do azeite são as “carnes do montado” (das pastagens!), os queijos de ovelha/cabra, os enchidos do porco preto, o pinhão, o carvão e a lenha os principais produtos, de qualidade reconhecida, saídos da área da silvo-pastorícia deste vasto ecossistema, os quais deverão ter um contributo maioritário no VAB do Alentejo que, no ano 2000, foi de 10,4% do VAB nacional (INE – Estatísticas agrícolas, 2001).
Figura 1.1. Área da Direcção Regional de Agricultura do Alentejo
Fig. 1.2. Mapas sobre: A – tipos de solo; B – valores de pH; C – precipitação total anual; D – temperatura média diária, em Portugal Continental. (Direcção Geral do Ambiente, 1998)
1.2. Fitoassociações herbáceas e arbustivas, no Alentejo.
Transpondo para Portugal a classificação fitossociológica descrita por Alfonso Ayanz (3) para os pastos naturais espanhóis mediterrâneos, teremos no Alentejo 2 grandes comunidades: uma de pastos Xero-mesofíticos e outra de pastos Terofíticos, repartidos pelas Classes e Ordens dos bioclimas da região (40), conforme se mostra no Quadro 1.2.
Os xero-mesofíticos são constituídos por vivazes e anuais de espécies herbáceas e semi-lenhosas derivadas de bosques de quercíneas perenifólias com ou sem acção antrópica via pastoreios. Neles se encontram as melhores comunidades pratenses sobre solos ainda (ou já!) com alguma matéria orgânica (MO) e com maior capacidade de retenção de água. Nas áreas de montado podemos observá-los sob as copas das árvores junto aos troncos, bem como em zonas não mobilizadas (arrifes, margens e maciços rochosos).
Conforme a riqueza de MO assim encontramos maior riqueza de gramíneas (Poa, Cynodon, Bromus, Dactylis) associados a outras nitrófilas oportunistas de menor valor pascícola (Erodium, Urtica, Malva, Arum). Em solos eutróficos e em zonas melhor pastoreadas, encontram-se já algumas leguminosas anuais (Trifolium, Medicago, Trigonella e outras).
Os pastos terofíticos, nitrófilos e não nitrófilos, são os mais abundantes no Alentejo. São todos os constituídos por comunidades de herbáceas anuais, com algumas vivazes, sobre solos maioritariamente oligotróficos pouco evoluídos, com muito baixo teor de MO e, consequentemente, com baixa capacidade de retenção de água. Podem estendem-se desde os bioclimas semiáridos (350 L chuva) até aos húmidos (3000 L), segundo Ayanz (3), mas que na região alentejana se ficam pelos bioclimas seco a sub-húmido (450-650 L).
Uma das características que mais ressalta nestas comunidades de pastos é serem muito heterogéneas, quer dentro de pequenas áreas quer inter anos. Tal será devido a micro alterações pedológicas e climáticas que aparentemente parecem não existir. Isto levou Malato Beliz a dizer que não se dever aplicar a estas pastagens as noções fitossociológicas de contínuum nem de “gradiente”, mas antes a de discontinuum (30).
Quadro 1.2. Resumo das principais classes fitossociológicas das pastagens do Alentejo
Fito-associações mais representativas nos pastos naturais alentejanos | Principais Características |
PASTOS XERO-MESOFÍTICOS Classe: Poetea bulbosae Ordem: Poetalia bulbosae Principais géneros: (gramíneas) Poa, Dactylis, Cynodon; (leguminosas) Trifolium, Ornithopus, Biserrula. PASTOS TEROFÍTICOS – não nitrófilos Classe: Helianthemetea guttati Ordem: Malcolmietalia Géneros:(gramíneas) Corynephorus, Vulpia, Avellinia, Lagurus, Cutandia, Desmazeria; (leguminosas) Ornithopus, Anthyllis; (outras) Cistus, Thymus, Lavandula. Ordem: Hellianthemetalia guttati Géneros:(gramíneas) Anthoxantum, Briza, Molineriella, Micropyrum, Psilurus, Vulpia; (leguminosas) Anthyllis, Coronilla, Lacthyrus, Ornithopus, Trifolium; (outras) Crucianella, Moenchia, Plantago, Rumex, Tolpis. Ordem: Trachynietalia distachyae Géneros: (gramíneas) Brachypodium, Stipa; (outras) Arenaria, Echinaria, Vulpia, Linum, Medicago, Polygala. PASTOS TEROFÍTICOS - nitrófilos Classe: Stellarietea mediae Ordem: Thero-Brometalia Géneros: (gramíneas) Aegilops, Bromus, Lolium, Taeniatherum, Trisetum; (leguminosas) Astragalus, Lupinus, Medicago, Trifolium Ordem: Sisymbrietalia officinalis Géneros: (gramíneas) Avena, Bromus, Hordeum, Lophocloa; (leguminosas) Medicago; (outras) Erodium, Plantago, Raphanus. | Boas comunidades de vivazes e anuais, com cobertura total da superfície, sobre solos já com alguma MO, por acção arbórea (copas), animal (malhadios) e não antrópica (sem agricultura). Encontram-se em solos oligotróficos (silícios) e alguns eutróficos (calcários) de qualquer estrutura, e em todos os pisos bioclimáticos mediterrânicos. Destroem-se por mobilização do solo, dando lugar a nitrófilas oportunistas, por algum tempo. Comunidades maioritariamente de espécies anuais, com cobertura parcial da superfície, sobre solos eutróficos ou oligotróficos, pouco evoluídos ou muito degradados pelo homem (agricultados). As zonas mais vastas e típicas são as entre-copas dos montados, olivais velhos e pinhais, bem como todas as restantes zonas limpas, sobre solos delgados e erosionados. São os pastos mais representativos de todo o Alentejo. Os terofíticos não nitrófilos estendem-se largamente sobre todos os solos, de qualquer tipo, com baixo hidromorfismo e sem nitrificação apreciável. Os terofíticos nitrófilos limitam-se às zonas pouco agricultadas por difícil acesso, (bordaduras de qualquer espécie) e em pousios recentes. São inicialmente colonizados por espécies oportunistas pouco palatáveis, pelo que são pouco pastoreados voluntariamente. Se não forem mobilizados, temporariamente tenderão para comunidades xero-mesofíticas de melhor valor pastoral. |
Transposto e adaptado de Alfonso Ayanz (2001)
Para este mesmo autor, as comunidades que evoluíram dos pousios de solos mais ácidos pertencerão à classe Tuberarietea, as dos solos menos ácidos à classe Thero-Brachypodietea e só as mais próximas das árvores à classe Chenopodio-stellarietea. Estas fito-comunidades são as típicas dos montados pouco densos (fora das copas) bem como das zonas limpas, temporariamente não cultivadas (pousios).
Algumas espécies destas associações em solos ácidos são bem conhecidas como as “más ervas” das pastagens e das culturas em geral.
São os casos de espécies dos géneros Sinapis (mostardas), Chamaemelum (margaças), Rumex (azedas), Raphanus (saramagos), Echium (soagens), Chrysanthemum (pampilhos), Tolpis (olhos-de-mocho), Hypochoeris (leitugas) Crepis (almeiroas) e outras. Em geral são de ciclos precoces e semi-precoces, com longos períodos de floração/frutificação, e de elevada dureza de sementes, fruto, certamente, da longa evolução adaptativa a este meio ambiente.
O seu combate a favor de melhores espécies (gramíneas e leguminosas) é difícil e muito lento, já que só por alterações na fertilidade dos solos e com o auxílio dos próprios animais em pastoreio, se conseguem ir alterando estas associações florísticas. Os animais são tão importantes nesta luta florística que se pode resumir dizendo que no mediterrâneo só há verdadeiras pastagens onde há animais. Para o mesmo fitossociólogo Malato Beliz “são os animais que fazem cada pastagem”.
É ainda nos solos oligotróficos mais pobre e erosionados por décadas de mobilizações, que estes já pobres pastos terofíticos se vêem confrontados com comunidades arbustivas de maior porte, geralmente dos géneros Cistus e Cytisus, que os vão desalojando por razões diversas: competição pela água do solo, ensombramento ou efeitos alelopáticos.
Os Cistus ladanífera, salvifolius, monspeliensis e crispus (estevas e sargaços), os Cytisus e Retama (giestas e piorneiras) e os Ulex e Erica (tojos e urzes) constituem as espécies invasoras mais comuns na região. Quando se fecham (adensam) excluem quase totalmente as herbáceas, limitando-as às zonas de clareira. São as chamadas áreas de matorral, matagal, giestal ou sargaçal, com muito pouco ou nenhum valor pascícola. Quando se situam em zonas de montado, a competição não é só com as herbáceas mas também com as arbóreas.
É nestes montados “sujos” de muitos anos que se nota um primeiro sintoma de involução do actual ecossistema criado pelo homem há poucos séculos. Seria o regresso ao primitivo bosque arbustivo fechado, do tipo Querco rotundifoliae – Oleion sylvestis, da Classe Quercetea ilicis (61) e que conhecidos paisagistas e ecologistas defendem como o caminho a seguir para a criação de verdadeiras “bolsas” de preservação ambiental e de reserva genética.
A discordância, por parte da agricultura, desta visão, não estará na existência das “bolsas” mas tão só na sua dimensão, localização e repartição.
Por nós, pensamos não serem necessárias grandes áreas de regressão florística, onde o Homem não teria lugar a não ser como mero visitante. Com um estrato herbáceo permanente, limpo e melhorado estaremos a favorecer o arbóreo, a defender o ambiente e a permitir a actividade humana. Ao arbustivo caberá sempre a função protectora de zonas mais inóspitas e inacessíveis, onde o homem o deve circunscrever e, se necessário, proteger. E essas zonas já naturalmente existem, estando mesmo em expansão!
Assim, e apesar das cada vez mais exigentes leis de protecção ambiental – imperiosas mesmo, nas zonas de mais intensa actividade humana – parece-nos de bom senso que se continuem a permitir desmatações controladas de montados, para criar melhores condições de habitabilidade a um bom estrato herbáceo, ou seja a uma boa pastagem. Assim haja regras na utilização dos meios mecânicos, que por vezes são necessários para desmatar essas áreas.
Registe-se, que muitas das actuais formações arbustivas, começaram (e começam!) a implantar-se rapidamente a partir de áreas tradicionalmente cultivadas ao longo de décadas, em solos impróprios e com más técnicas culturais, e que entretanto foram abandonadas por inviabilidade económica. A ausência de MO e de N nesses solos esgotados e degradados, só veio apressar a implantação destas não nitrófilas.
Por isso, quanto mais rápida for a reconversão dessas áreas em pastagens efectivas, implantando densos cobertos herbáceos, mais fácil será o controle destas arbustivas, com efectiva melhoria dos solos. As que continuam a aparecer nos primeiros anos de pastagem, das sementes duras, vão-se controlando a dente (têm crescimentos lentos e estrutura pouco lenhosa!), até que a MO do solo aumente e as vá eliminando naturalmente.
Da prática se sabe há muito da elevada ligação entre solos mais férteis e espécies pascícolas de melhor qualidade. Então, facilmente se conclui que é pela via da formação de mais MO nos solos que, mais sustentadamente, poderemos chegar a melhores comunidades herbáceas e sem comunidades arbustivas.
É neste simples mas determinante princípio que reside todo um desafio que é posto ao melhorador de pastagens. Sendo um fenómeno confirmado, ele não é de resultados rápidos, o que muito o dificulta face ao imediatismo actual que rege qualquer actividade humana, incluindo a agrícola.
1.3. O clima mediterrâneo e as pastagens
O nosso clima mediterrâneo, tão agradável do ponto de vista turístico, exerce a sua difícil influência agrícola por todo o continente, embora com atenuações quando caminhamos de sudeste para noroeste. No litoral noroeste já alguma atlanticidade climática se nota, a qual é visível no facies agrícola dessa zona.
Em termos das classificações bio-climáticas de Rivas-Martinez (40), derivadas dos respectivos Índices de termicidade (*), o Alentejo está maioritariamente repartido por dois pisos: um litoral Termomediterrânico e um interior Mesomediterrânico. Malato Beliz (29) caracterizou o primeiro como tendo 3-4 meses de seca e o segundo como tendo 5-6 meses.
(*) It = (T + M + m)*10, sendo T a Temperatura média anual, M a média das Máximas do mês mais frio e m a média das mínimas do mês mais frio.
Em termos de classificação ecológica (fito-edafo-climática) o Alentejo situa-se, segundo Pina Manique e Albuquerque (31), quase todo no andar Basal (≤ 400 m altitude) e fito-climaticamente repartido por 3 faixas: uma litoral Submediterrânica, uma mais interior Iberomediterrânica e uma de transição Sub-Iberomediterrânica (Figura 1.3.). Apesar destas divisões, e como já realçamos, o Alentejo é, ainda assim, a maior região do país em termos de uniformidade ecológica.
Relacionando estas faixas com os pisos bioclimáticos de Rivas-Martinez, teremos que as duas últimas, pela sua interioridade, serão de clima mais quente e seco, embora tal não seja muito claro, pelos longos registos obtidos nas diferentes estações climáticas dessas três zonas (22). Persentem-se maiores variações micro-climáticas numa mesma zona, por razões de altitude, de exposição solar ou de coberto arbóreo, do que entre zonas.
Atendendo aos registo que originaram os mapas C e D da Fig. 1.2., verificamos que as precipitações anuais dominantes do Alentejo se situam entre os 400 e os 600 l/m2, com excepções pontuais por razões de altitude ou de litoralidade. As temperaturas médias diárias situam-se maioritariamente entre os 15º e os 17º C. Em relação ao resto do continente, ressalta destes mapas a relativa uniformidade climática do Alentejo, factor determinante da referida uniformidade ecológica.
Contrariamente ao que os valores absolutos da precipitação e da temperatura deixam transparecer, as dificuldades do clima alentejano para as culturas arvenses em geral, não advêm nem da pouca chuva anual, nem dos grandes frios, nem mesmo dos grandes calores estivais. As grandes dificuldades agronómicas deste Clima advêm dos curtos e muito irregulares períodos com adequada conjugação temperatura-humidade do solo.
Os maiores períodos com este adequado equilíbrio só acontecem, e irregularmente, nas estações de equinócio (outono e primavera), determinando toda a actividade herbácea, nomeadamente as de ciclo anual. No outono, determinam a germinação e implantação das espécies, e na primavera determinam o fim do ciclo fisiológico, com normal ou anormal formação de semente.
Fig 1.3. Zonas ecológicas da região Alentejo. (Pina Manique e Albuquerque, 1982)
Neste clima, com ombrotipos entre o sub-húmido e o semiáridos, o mais afectante, e por vezes dramático, são, portanto, os frequentes períodos de desequilíbrio entre disponibilidades hídricas e térmicas para as culturas em geral e as herbáceas em especial. Já os excessos de chuva invernal e de secura estival (a mais constante!) são menos limitadores do normal desenvolvimento destas culturas temperadas de ciclo anual.
Isto resume as reais dificuldades do Clima mediterrâneo para as culturas herbáceas, ditas de sequeiro, onde se insere a quase totalidade das pastagens do Alentejo. As dificuldades não advêm, assim, tanto das quantidades dos factores climáticos, nomeadamente da quantidade de chuva, mas sim da sua repartição e não conjugação ao longo do ano.
É esta dessintonia humidade-temperatura que gera o bem conhecido gráfico termo-pluviométrico dos Climas Subtropicais, ditos Mediterrâneos (Fig. 1.5. para Évora), mesmo que em regiões tão afastadas da bacia mediterrânica como sudoeste da Austrália, Chile, Califórnia ou África do Sul. Veja-se, para comparação, os mesmos gráficos para dois locais à mesma Longitude de Évora mas a Latitudes bem diferentes (Dublin na República da Irlanda e Bamako no Mali) (Figs. 1.4 e 1.6).
As curvas do Mediterrâneo são de tendências bem opostas, as quais, como argutamente notou Mariano Feio (17), poderiam permitir passar de um clima agricolamente difícil para um dos climas mais favoráveis para os cereais, caso fosse possível ter mensalmente o valor da temperatura média anual e ter a chuva anual repartida por duodécimos constantes.
Figura 1. 4. Curvas Térmica e Pluvimétrica de DUBLIN (Irlanda). [53º 20’ N; 6º 15’ W
Figura 1. 5. Curvas Térmica e Pluvimétrica de EVORA (Mitra). [38º 32’ N; 8º 01’ W]
Figura 1. 6. Curvas Térmica e Pluvimétrica de BAMAKO (Mali). [12º 34’ N; 7º 55’ W]
Para o caso das curvas de Évora, isso significaria ter um clima mensal constante com 15,4 º C de temperatura média e 55,4 l/m2 de chuva, muito mais favorável não só para os cereais de sequeiro como para as pastagens e forragens. Hipótese absurda, mas que ajuda a perceber as dificuldades deste clima.
Mas no fundo, foi este clima (+ solos!), o responsável pela referida grande riqueza florística das herbáceas na região. Elas conduziram, como tão bem enalteceu Orlando Ribeiro (38), à tão valorizada riqueza cromática e aromática da flora mediterrânea. Riqueza que é bem menor nas espécies arbóreas autóctones existentes. O Alentejo é prova disso a nível florestal, com só 2 espécies de Quercus perenifólios a dominarem quase toda a região (Q. Rotundifolia e Q. suber), embora também devido à acção do homem.
Sobre o clima concreto do Alentejo, e para se tentar ilustrar a sua variabilidade ou não nas faixas ecológicas, mostra-se, na Fig.1.7, os registos termo-pluviométricos médios anuais no trinténio 1951-80, em 9 estações casuais da região (23), sendo 3 de cada zona ecológica, conforme se apontam na Fig. 1.3.
Assim, os dados de Mora, Alcácer do Sal e Grândola situam-se na zona Sub-mediterrânica, os dados de Aviz (Benavila), Évora (Mitra) e Alvalade de Sado na zona de transição Sub-meditterrânica/Ibero-mediterrânica e os dados de Elvas, Moura (Contenda) e Mértola (Vale Formoso) na zona Ibero-mediterrânica
Figura 1.7. Valores anuais médios dos registos termo-ombricos, em nove estações do Alentejo (3 de cada zona ecológica), no período 1951-80.
Destes registos, ressalta a já esperada maior variabilidade das precipitações face às temperaturas. Estas mostraram um valor médio para as 9 estações de 15,9 ºC com um coeficiente de variação (CV) de somente 2%, enquanto a média das precipitações foi de 600,7 l/m2 com um CV de 12% (Fig. 1.7)
Sobre as quantidades de precipitação neste trinténio elas variaram nas 9 estações entre os 500l/m2 em Grândola e os cerca de 730l/m2 em Moura (Contenda), posto dos mais interiores onde não seria de prever tão elevado nível hídrico. Mas a principal razão deverá ser a mais elevada altitude (450 m) a que este posto se situa, face aos menos de 200 m a que os restantes estão colocados.
Seja por razões locais de instalação dos postos seja pela diminuta largura do Alentejo à escala climática ( ± 150 km) o facto é que as médias dos 3 postos de cada zona ecológica, do litoral para o interior, registaram valores, neste trinténio, de 571,7, 616,2 e 614,3 l/m2, não coincidentes com os crescentes níveis de secura que seriam de prever. Já a variação em latitude foi explícita, com os postos mais a sul (Grândola, Alvalade e Mértola) a registarem os menores índices de pluviosidade em cada zona ecológica.
Esta constatação, de que as chuvas diminuem mais de norte para sul do que do litoral para o interior, é uma noção tida por quase todos os que conhecem bem o Alentejo agrícola.
Sobre a média geral dos 9 postos (600,7 l/m2) ela não indicia, neste período, grande escassez de água, classificando-se num ombrotipo Sub-húmido inferior, embora seja uma média pouco consistente. Anos como o recente e dramaticamente seco 2004/2005 são bem o exemplo desta enorme variabilidade quantitativa e distributiva. Em Évora (Mitra), a chuva total deste recente ano agrícola foi, ainda assim, de 426,2 l/m2 (64% da média deste trinténio) mas com uma distribuição catastrófica: 53% no Outono, 7% no inverno, 25% na primavera e 15% no verão (Julho). (Centro de Geofísica da UE, 2005).
Tornando ao clima destas 9 estações do Alentejo, constata-se, das Figs. 1.8 e 1.9, que 42% das chuvas caem com temperaturas médias abaixo de 10º C e que somente 9% caem com temperaturas acima de 20º C, valores térmicos tidos como podendo influenciar, negativa e positivamente, o desenvolvimento herbáceo.
Verifica-se, ainda, que as variações entre postos meteorológicos de cada zona ecológica não têm significado na Temperatura Média mas, na Pluviometria, nota-se alguma tendência para começo de outono e fim de primavera mais húmidos na zona Ibero-mediterrânica, embora sem significado estatístico.
Representando as curvas das médias da temperatura e da precipitação no mesmo gráfico (Fig. 1.10), segundo o modelo mais usual para diferenciar climas, vemos que elas se cruzam, sensivelmente em meados de Outubro e começos de Abril, com os valores que aí se expressam a traduzirem climas muito favoráveis ao crescimento e desenvolvimento das herbáceas em geral, como de início referimos.
Analisando estes mesmos pontos de cruzamento nos gráficos para cada estação meteorológica (Fig. 1.11), nota-se que não diferem muito na época em que se cruzam entre as três zonas ecológicas, a ponto de poderem influenciar o ciclo das herbáceas (das pastagens). Mas em relação às estações mais a sul (Grândola, Alvalade e Mértola), nota-se um maior período com chuvas inferiores a 40 l/mês, podendo resultar em pequenos atrasos na erva outonal e em secagens um pouco mais prematuras na erva primaveril. Também isto é muito constatável na prática, nesta região.
Se nos centrarmos agora só nos 10 meses mais chuvosos destas nove estações (Set.-Jun.), e os repartirmos em três períodos de 3 + 4 + 3 meses (Quadro 1.3), ressalta que as pluviometrias do primeiro (Set.-Nov.) e terceiro (Abr.-Jun.) trimestres, são só 44,2% da chuva anual, caindo 54,4% no quadrimestre invernal. Ou seja, mais uma explicação para os frequentes défices de água no solo nestes períodos extremos, com todas as consequências já referidas, para as herbáceas.
É, aliás, pelos valores e distribuição da chuva nestes dois trimestres que na prática se caracteriza um ano agrícola como sendo de Outono húmido ou seco e de Primavera seca ou chuvosa. O período central, o Inverno, caracteriza-se mais como podendo ser muito ou pouco húmido, mas quase sempre com suficiente água no solo. A severa seca do ano 2004/05 foi-o, fundamentalmente, pela ausência de chuvas neste período invernal.
Figura 1.8. Gráfico dos valores da Temperatura Média de 9 postos meteorológicos (3 em
cada zona ecológica), na região Alentejo, no período 1950-80.
cada zona ecológica), na região Alentejo, no período 1950-80.
Figura 1.9. Gráfico dos valores da Precipitação Média de 9 postos meteorológicos
(3 em cada zona ecológica), na região Alentejo, no período 1950-80.
(3 em cada zona ecológica), na região Alentejo, no período 1950-80.
Figura 1.10. Gráfico termo-ombrico das médias de 9 postos meteorológicos da
região Alentejo, no período 1950-80.
região Alentejo, no período 1950-80.
Em relação aos valores normais é usual considera-se um Outono húmido quando chovem mais de 200 l/m2 no trimestre Set.-Nov (>30% da total) e uma Primavera chuvosa quando caiem pelo menos 150 l/m2 no último trimestre Abr.-Jun. (>20% da total).
Se no quadrimestre invernal (Dez-Març) caírem os restantes menos de 50%, teremos a mais desejada distribuição de chuvas neste clima, principalmente para as pastagens, já que mais chuva nos extremos do período húmido significa alongar o ciclo verde destas e, consequentemente, aumentar as produções brutas. No entanto, pelos valores do Quadro 1.3, constata-se que esta distribuição óptima não se verificou nas médias deste trinténio para nenhuma estação, o que não significa que não se tenha registado em anos isolados. Significa é que são anos muito raros.
Os cerca de 1% de chuvas estivais (Julho-Agosto) são tão diminutas e erráticas que não merecem importância nesta contabilidade. É o período seco, de dormência vegetativa das vivazes e de estadio seminal nas anuais, não reagindo fisiologicamente às escassas águas que possam ir caindo nesta época. E quando acontecem muito acima deste valor, só perturbam ou deterioram.
Concluindo, a má distribuição das chuvas e a sua discordância com as temperaturas só podem originar baixas e irregulares produções herbáceas (pratenses), não só no Alentejo mas em qualquer região de influência deste clima.
São produções resultantes de três condicionantes que se impuseram na forçada evolução e adaptação da sua flora herbácea: ser formada maioritariamente por espécies anuais, ser formada por espécies de grande precocidade reprodutiva e ser formada por gramíneas muito pouco produtivas, por razões de baixa fertilidade dos solos.
Isto conduz a produções de biomassa bruta anual da ordem das 3 t MS/ha em pastagens naturais e com baixas taxas de eficiência de pastoreio. Registe-se que as pastagens de clima temperado atlântico podem ter produções de 6 a 15 t MS/ha, à base de gramíneas e consoante o nível de azoto aplicado (41).
Quadro 1.3. Repartição da chuva, em 9 estações do Alentejo, no período 1951/80.
Estações pluvimétricas | Chuva outonal (set.-nov.) l/m2 % total | Chuva invernal (dez.- març.) l/m2 % total | Chuva primaveril (abr. – junh.) l/m2 % total | |||
Sub-Mediterr. Mora Alcácer do Sal Grândola Sub/Ibero-medit. Avis (Benavila) Évora (Mitra) Alvalade Sado Ibero-mediterr. Elvas Moura (Contenda) Mértola (V. Formoso) MÉDIA (DP) | 164,7 142,4 133,6 165,5 176,0 153,7 162,4 201,4 145,4 160,6 (20,3) | 26 25 27 26 27 28 27 28 28 27 | 343,8 329,6 288,9 340,7 360,3 313,6 320,9 378,6 265,2 326,8 (34,9) | 54 57 58 54 54 56 53 52 52 54 | 121,4 95,9 74,5 114,5 122,1 85,5 110,3 138,6 96,3 106,6 (20,2) | 19 17 15 18 18 15 18 19 19 18 |
Figura 1. 11. Gráficos termo-ombricos de 9 estações meteorológicas do Alentejo, no trinténio 1950-80
Prezado colega,
ResponderExcluirNão é economicamente viável a correção da acidez (calcário e/ou gesso) e a adubação das pastagens espontâneas do Alentejo? Por exemplo, uma adubação no fim do inverno para propiciar uma maior produção na primavera?
João Gabriel